Se imposto fosse bom, ele "não seria imposto". Por Renato Degiovani, colunista do Drops de Jogos - Drops de Jogos

Se imposto fosse bom, ele “não seria imposto”. Por Renato Degiovani, colunista do Drops de Jogos

O ano começou com uma bomba, em todos os sentidos, no ramo de produção de jogos digitais: Pode valer em São Paulo ainda no começo de 2016 as regras do ICMS sobre produtos digitais comercializados via download. De concreto, o decreto de outubro de 2015 revogou um mais antigo que normatizava o imposto dos games – e de software de um modo geral.

Foto: Arquivo/Agência Brasil

Lá nos idos dos anos 80, quanto toda essa brincadeira de fazer programa começou, as tentativas de adequar as regras comerciais ao novo modelo de produto esbarraram, por anos, em uma dificuldade que até hoje não foi superada: O que é software? É produto? É serviço? É avião?

Parece besteira, mas não é. Pois essa definição estabelece a natureza do imposto que será cobrado e, como esse debate nunca chegou a um consenso, o Estado "espertamente" declarou (lá atrás) que ao menos o meio físico seria taxado. Até ontem, a gente não pagava imposto sobre programas mas sobre a fita k7, o disquete, o CD-ROM ou o DVD onde eles vinham gravados.

Pois foi justamente essa base de cálculo – até duas vezes o valor da mídia física – é que foi pro espaço, abrindo assim a tradicional mão grande do Estado que vai dar uma de "esperto" cobrando ICMS pleno de quem eles identificarem. E tome advogados e processos para reverter essas cobranças na Justiça.

Assim como nos anos 80, época em que metade dos tributaristas entendiam que software deveria pagar ICM e a outra metade achava que deveria pagar ISS, hoje em dia metade dos tributaristas acham que um produto digital não "circula" e, portanto, não é coberto pela Constituição Federal neste quesito. A outra metade acha que isso é apenas um jogo de palavras que, mesmo não existindo o transporte físico, o produto digital circula sim senhor.

Ocorre que os tempos são outros e a mídia física também está indo pro espaço, por conta do processamento remoto feito na nuvem. Já era complicado antes? Vai ficar mais ainda. Desde sempre foi consenso entre os meios de produção de que a gente não "vende" o programa, mas sim uma licença de uso. E licença é enquadrada em tributação sobre royalties e não circulação. Isso sem contar que software ainda é uma produção intelectual, vinculada ao direito autoral e, portanto, está localizada numa outra categoria de produto. Se forçar um pouco, você até consegue isenção total por ser produto cultural – dica pra quem se interessa pelo assunto: É o mesmo caso das banca de jornais.

No processamento remoto, uma coisa que talvez os tributaristas ainda não saibam, não existe download. Quer dizer, não existe este conceito de "baixar o produto todo de uma só vez", trazendo mais detalhes complexos pros advogados degustarem. Quer deixar um tributarista pirado? Pergunta pra ele como é o cálculo da substituição tributária na “venda” de uma chace (entenda-se licença de uso) de um jogo que nem meios de download tem. Ou pior, pede pra ele definir pela lei, quem é o fabricante da licença.

E o que as lojas tipo Steam, app stores em geral, tem a ver com isso? Bem, a lei do ICMS é clara neste aspecto: O imposto incide sobre os produtos, ainda que sua origem não seja no próprio estado. No mundo dos meios físicos a importação morde 27% de imposto, mesmo que no caso específico aqui, o governo esteja acenando com 18%.

Se você acredita que está fora do alcance da mão grande do governo, por ter seus jogos em lojas no estrangeiro e receber em doletas, cuidado. Porque você pode acordar um belo dia desses devendo não apenas o ICMS, como ganho de capital mordido diretamente no imposto de renda. Os instrumentos para isso já estão valendo desde o primeiro dia de 2016.

Apavorou agora? Não se desespere ainda porque na verdade o governo é lerdo, paquidérmico, não acompanha de perto as modernidades do nosso segmento e tem uma inércia própria, ditada pela seguinte regra de ouro: Não vale a pena correr atrás de pequenos contribuintes. Os pequenos, na produção de games, somos todos nós. É só não aparecer ninguém alardeando ganhos astronômicos, e nem levantando certas bolas.

Renato Degiovani é o primeiro desenvolvedor de jogos brasileiro, desde 1981. É colunista do site Drops de Jogos no espaço DEV.LOG, com textos regulares sobre sua experiência de décadas. Foi o desenvolvedor do jogo Amazônia, é conhecido na comunidade nacional do aparelho MSX, editou a revista Micro Sistemas e é responsável pelo espaço TILT Online.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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