DeepSeek para noobs: entenda o “bicho-papão” das Big Techs - Drops de Jogos

DeepSeek para noobs: entenda o “bicho-papão” das Big Techs

Explicamos o motivo de um único app chinês fazer as maiores indústrias dos EUA desvalorizar US$1 trilhão em apenas um dia

(Imagem: Montagem de Rafael Silva/Drops de Jogos)

As últimas 24h estão sendo um tanto engraçadas no mundo tech. Afinal, foi só a China mostrar a DeepSeek R1 – um modelo de inteligência artificial generativa próprio do país – que todo mundo ficou igual aquele meme da Turma da Mônica.

E aqui eu incluo todo mundo mesmo: bolsas de valores, diretorias das Big Techs, governos, pessoas comuns. O golpe foi tão forte e tão surpreendente que ontem todo mundo bambeou igual o Rocky quando falta dez minutos pra acabar o filme.

Mas o que diabos essa inteligência artificial chinesa tem que deixou essa galera perdidinha? A explicação é até simples, mas é tanta coisa que ela acaba afetando que o melhor é fazer igual Jack Estripador: ir por partes.

O que exatamente é o DeepSeek R1?

Vamos primeiro definir alguns nomes que já estão confundindo muita gente:

  • DeepSeek: startup chinesa que desenvolve modelos de inteligência artificial generativa
  • DeepSeek R1 e DeepSeek V3: modelos de inteligência artificial generativa desenvolvido pela startup chinesa. São tecnologias do mesmo naipe de um Chat GPT (Open AI), Gemini (Google), Copilot (Microsoft) e outras.

A grande diferença do modelo chinês para as IAs das Big Techs está no desenvolvimento: enquanto as IAs generativas ocidentais se gabam de exigir datacenters do tamanho de vários campos de futebol para funcionar e investimentos de bilhões para desenvolver da tecnologia, o modelo chinês chega ao mercado com um promessa simples: maior eficiência, menor gasto energético e não precisar de uma infra estrutura faraônica.

Além disso, há uma outra diferença crucial entre essas tecnologias: enquanto as IAs das Big Techs são de código fechado (apenas a empresa que desenvolveu pode fazer alterações nele), o DeepSeek R1 é uma ferramenta de código aberto. Isso quer dizer que qualquer pessoa pode fazer o download da IA, acessar o código fonte dela e fazer alterações.

Mas por que isso é tão importante? Historicamente, soluções de código fonte aberto chegam ao mercado piores do que a versão paga (por exemplo, compare o LibreOffice quando foi lançado em 2010 com o Microsoft Office do mesmo ano). Mas a liberdade que eles dão para qualquer programador fazer alterações no código faz com que rapidamente alcancem (e até superem) o nível de qualidade dos programas de código fechado. Com o adendo: a DeepSeek R1 não chega ao mercado pior do que os seus competidores.

O efeito DeepSeek no mercado de ações

Nesta segunda-feira, o DeepSeek R1 foi o grande responsável por fazer as empresas ocidentais que atuam no setor de inteligência artificial perderem cerca de US$1 trilhão em valor de mercado. A mais desvalorizada foi a Nvidia, que fechou o dia com uma perda de US$589 bilhões. Este foi um recorde histórico de desvalorização da empresa, e é mais do que o dobro do antigo recorde de US$279 bilhões.

DeepSeek e NVIDIA. Foto: Divulgação/Montagem Pedro Zambarda/Drops de Jogos

DeepSeek chegou e as ações da Nvidia “baleiaram”. Foto: Divulgação/Montagem Pedro Zambarda/Drops de Jogos

A queda nessas empresas foi tão grande que causou impactos em diversos índices de ações. O Nasdaq foi o mais impactado, e fechou o dia com queda de 3,07%, enquanto o S&P500 recuou 1,45%. Dos três principais seguidos pelos investidores, apenas a Dow Jones avançou nesta segunda, mas foi um crescimento de 0,65%.

Claro, esta queda generalizada também atingiu o valor de alguns dos principais bilionários do mundo. E como eu gosto de ver bilionário perdendo dinheiro, vou citar aqui 6 bons motivos para dar risada nesta terça-feira:

  • Larry Ellison (fundador da Oracle): perdeu US$ 27,6 bilhões
  • Jensen Huang (CEO da Nvidia): perdeu US$ 20,8 bilhões
  • Michael Dell (CEO da Dell): perdeu US$ 12,5 bilhões
  • Larry Page (fundador do Google): perdeu US$ 6,4 bilhões
  • Sergey Brin (fundador do Google): perdeu US$ 6 bilhões
  • Elon Musk: perdeu US$ 5,3 bilhões

O motivo dessas perdas se dá não apenas pelo sucesso e popularidade da IA da DeepSeek, mas também porque ela colocou em xeque todo o conceito de que as Big Techs americanas seriam as líderes da tecnologia do futuro. Alguns analistas estão chamando esse momento de “o Sputnik da nossa geração”. A relação é com a Corrida Espacial que rolou durante o período da Guerra Fria: os EUA buscavam o protagonismo desta nova e até chegaram a se autoproclamar “líderes” da então novíssima tecnologia aeroespacial, mas aí a URSS tomou a dianteira quando se tornou a primeira nação a lançar um objeto para o espaço — o satélite Sputnik 1 —, abalando a prepotente narrativa de superioridade criada pelos norte-americanos.

E por que a DeepSeek afetou tanto o mercado?

Tudo se resume a 2 fatores: valor investido em treinamento e popularidade. A parte da popularidade é mais fácil de explicar:  o app com o assistente de IA da DeepSeek foi lançado na semana passada, mas ele só dominou os noticiários nesta segunda (27) porque foi quando ultrapassou o Chat GPT em número de downloads na App Store. Além disso, ele também se tornou o app com melhor avaliação de toda a loja de apps da Apple nos EUA. Assim, qualquer empresa que lance um produto com esse tipo de popularidade já causa um certo impacto no mercado.

IA chinesa é um dos apps mais baixados da App Store (Foto: Captura de tela)

A outra parte dessa equação é a questão da eficiência: no fim do ano passado, a startup chinesa DeepSeek (empresa que desenvolveu a IA que abalou o mundo) publicou um artigo que afirmava ter gasto 6 milhões de dólares para treinar o seu modelo mais recente de IA generativa. Essa informação já fez os investidores do Vale do Silício começarem a duvidar da capacidade de desenvolvimento de tecnologia das empresas dos EUA. Isto porque o treinamento do modelo GPT-4 (a versão mais recente Chat GPT) custou cerca de US$ 63 milhões.

E a coisa fica “pior” para as Big Techs: analistas do Vale do Silício que puderam testar a tecnologia da DeepSeek na época já tinham apontado que ela estava no mesmo nível de qualidade dos modelos mais avançados das empresas americanas. E toda esta qualidade foi conseguida não apenas com um investimento muito menor, mas em máquinas mais simples.

Isto porque o DeepSeek R1 foi desenvolvido usando chips H800 da Nvidia. Este é uma versão de capacidade bem reduzida dos chips que a Nvidia desenvolveu para as outras empresas de IA, e que foi criado para contornar as restrições dos EUA de vendas para a China.

Então esta foi a junção de fatores que colocou o mercado de ações em parafuso: um monte de empresa americana passou anos falando que ia mudar o mundo com a IA e pedindo pros investidores derramar rios de dinheiro nelas. E aí apareceu uma startup chinesa que falou que faz a mesma coisa com 2 clipes de papel e um chiclete mascado. E ela soltou esse negócio feito com dois clipes de papel e um chiclete mascado no mercado, e o mercado respondeu com um “cara, isso realmente é muito bom. Bobear é até melhor do que aquele negócio que usou rios de dinheiro”.

O futuro do mercado de IA

É preciso lembrar que as dúvidas que o mercado tinha sobre o desenvolvimento de IA por empresas dos EUA – principalmente na questão de valor de investimento – não era algo novo. E o fato dessas empresas pedirem rios de dinheiro para desenvolver uma tecnologia que não dava retorno também não ajudava. Muita gente não sabe, mas o Chat GPT hoje é um líder de mercado em prejuízo, pois os custos para manter os datacenters da OpenAI funcionando são muito maiores do que a arrecadação da empresa.

E aí chega uma empresa chinesa que até mês passado ninguém conhecia, e mostra que é possível desenvolver o mesmo nível de solução com um investimento muito menor e em equipamentos mais simples. Além de tudo, ainda libera o código fonte deste produto para que qualquer pessoa possa modificar ele como achar melhor.

E o código aberto já está fazendo as pessoas descobrir coisas que deixam as IAs americanas pior na fita. Por exemplo, que o DeepSeek R1 roda tranquilo num Raspberry Pi 5 – uma máquina que custa cerca de R$1000 e e que tem um gasto energético equivalente a uma lâmpada. Ah, e isso de forma nativa, sem precisar conectar na internet. Enquanto isso, os bilionários do Vale do Silício estavam até ontem (literalmente) discutindo sobre criar usinas de energia nuclear exclusivas para suprir a energia que os datacenters deles iriam precisar para rodar os novos modelos de IA sem causar uma crise energética no país.

Ainda é cedo para apontar exatamente o quanto a DeepSeek vai afetar o futuro, mas fica claro que chegamos num momento de ruptura que vai obrigar diversas empresas a repensar a forma como atuam nesse mercado de inteligência artificial. Principalmente se daqui uns meses a startup chinesa anunciar que seu modelo de código aberto já está se pagando. Não precisa nem dar lucro: se ele não der prejuízo e se pagar sozinho, podemos ver mais um dia de caos no mercado de ações de todo mundo que trabalha com IA.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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