Filósofo português reflete sobre fascismo, neofascismo e a inteligência artificial, a IA - Drops de Jogos

Filósofo português reflete sobre fascismo, neofascismo e a inteligência artificial, a IA

Importante refletir sobre as implicações políticas da tecnologia

Donald Trump. Imagem: Ting Shen / AFP/Montagem Pedro Zambarda/Drops de Jogos

Donald Trump. Imagem: Ting Shen / AFP/Montagem Pedro Zambarda/Drops de Jogos

O filósofo José Gil, professor reformado da UNL, fez a reflexão no jornal português Público. O poder que se instalou na Casa Branca no dia 20 de Janeiro visa uma subversão radical da democracia. Depois das 200 ordens executivas, e outras iniciativas já tomadas, é extraordinário que ainda haja tantos políticos, comentadores e académicos que consideram o discurso populista de Donald Trump uma pura exibição de jactância narcisista cheia de palavras vazias.

Na verdade, é um discurso que anuncia o desejo de impor, aos americanos e ao mundo, uma nova sociedade e uma nova cultura. Para tanto, conjugam-se estreitamente o capitalismo, o poder político, a visão antiambientalista e a intenção de destruir o modo de vida democrático. Mas as promessas extremistas escondem o seu radicalismo sob a aparência da normalidade.

A revolução que assim se prepara desenvolver-se-á, essencialmente, em três planos, económico, político e cultural, que se cruzam num ponto: a inteligência artificial. A sua função é obter a sujeição das massas aos desígnios económicos, políticos e culturais.

Trata-se de moldar as subjectividades e os desejos da população de forma a obter uma adesão colectiva, sem recorrer, se possível, à força policial e a outros meios repressivos. Através dos big data condicionar-se-á o fluxo das poupanças e o consumo de bens e serviços.

Através de programas de educação delineados de acordo com a eficácia exigida pela IA, das redes sociais que destilam uma ideologia anti-woke (autoritária, conservadora e respeitadora dos antigos valores religiosos, patriarcais e “nacionais”), mas também por intermédio da manipulação generalizada da informação, edificar-se-á uma sociedade espontaneamente disciplinada.

Não haverá necessidade de um big brother, nem de um Ministério da Propaganda dirigido por um Goebbels, os cidadãos serão educados de tal maneira que encontrarão sempre, no que lhes oferece a sociedade, a resposta aos seus desejos. Será uma sociedade do “senso comum”, para retomar a expressão de Trump.

Contrariamente ao regime nazi ou fascista do século XX, não será preciso energizar as massas, incendiar os espíritos com profetismos milenaristas e imperialistas. O messianismo que Trump tenta encenar (“fui salvo por Deus para tornar a América grande outra vez”) não é mais do que a restauração dos costumes e do senso comum: não vale a pena exacerbar os ânimos, ou destruir ruidosamente as instituições democráticas.

É suficiente moldar as subjectividades pela IA para que as massas adiram às suas políticas. É o senso comum que nos diz que só há dois géneros, o masculino e o feminino, é ele que mostra a todos que a anexação da Gronelândia é uma questão de segurança nacional ou que é preciso deportar de forma maciça os imigrantes criminosos para proteger as populações.

As leis e as instituições funcionarão sempre de acordo com a própria máquina da democracia, imanente à vida social — uma vez que, dentro das assembleias políticas, da administração, da magistratura, da defesa, da polícia e da educação, actuarão agentes dóceis e coniventes.

Assim, sem mais assaltos ao Capitólio (ou incêndios do Reichstag), ou mudanças significativas da Constituição, se esvaziará o Estado de direito — instaurando-se, automaticamente, a nova ordem do senso comum neofascista.

(…)

Uma vez implantado, não é certo que o poder neofascista precise da acção de um líder. Pode-se imaginar que este seja necessário apenas numa fase de transição para um regime inteiramente regulado pela IA.

O discurso, o carisma e a presença do líder podem ser vantajosamente substituídos por uma qualquer OpenAI, pelo corpo da voz dos robôs e pela manipulação constante da auto-estima. A IA estará no centro da revolução neofascista, dela dependerá o sucesso do projecto global.

Controlará enfim as intensidades, codificando-as, regulando a sua força em conformidade com o tónus requerido. O infraverbal será totalmente rastreado, identificado, mapeado e descodificado. A violência individual e social será domada, as pulsões e emoções, bem medidas e digitalizadas, pôr-se-ão ao serviço de tarefas colectivamente inteligentes.

A rivalidade, a competição, as invejas serão sublimadas em jogos e actividades puramente lúdicas e gratuitas. De acordo com as necessidades estabelecidas da convivência imanente, cada indivíduo deverá tomar uma pílula de subjectividade de vez em quando, se sentir a falta do sentimento de si. Todas as decisões serão, rigorosamente, determinadas pela IA.

(…)

Os populismos americanos e europeus ainda se servem de farrapos de arcaísmos e de líderes semicarismáticos, mas inclinam-se muito mais para o pragmatismo digital, o que se revela, ao mesmo tempo, nas limitações a que está sujeita a estratégia de dominação absoluta do acaso e do imprevisível.

As guerras, as sublevações inorgânicas, a memória colectiva inscrita na Terra, a vida dos animais e das plantas, bem como os flagelos e catástrofes ambientais contrariam a vontade totalitária de controlo de todos os seres vivos (veja-se, por exemplo, a dificuldade de Trump em lidar com os incêndios de Los Angeles e o acidente de aviação de Washington). Seremos salvos pelas alterações climáticas…

Leia o texto na íntegra aqui.

Donald Trump. Imagem: Ting Shen / AFP/Montagem Pedro Zambarda/Drops de Jogos

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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