Ok, afirmar que “não pode falar mal de homem no Threads” é um exagero. Confesso ter criado este título para chamar atenção mesmo, para atrair mais pessoas a este texto, já que aqui não tem apenas uma denúncia. Este artigo faz uma crítica e promove uma reflexão pertinente sobre a “liberdade” de homens assediarem mulheres nas redes sociais, e o “silenciamento” de vítimas de tais ataques, quando decidem desabafar a respeito.
O Drops de Jogos recebeu o seguinte relato, de uma usuária do Threads que, após publicar uma selfie, se espantou ao ver que seu post havia tido engajamento acima do padrão para seu perfil e, com essa exposição, recebeu uma enorme quantidade de respostas à sua foto. A maioria dessas respostas trouxeram elogios de outras mulheres, e também homens enaltecendo sua aparência física, porém de maneira respeitosa, não invasiva — o que é algo normal e pode ser saudável, até.
Contudo, entre essa “enxurrada” de mensagens, houve uma quantidade considerável de dizeres não tão razoáveis assim. Como se pode deduzir, estamos falando de assédio, importunação sexual — além de uma boa dose de ofensas, com ataques à autora da foto de “n” maneiras grosseiras e desrespeitosas.
A usuária, que pediu para não ter sua identidade revelada, decidiu então postar um desabafo sobre como existem homens grotescos, mas parabenizando aqueles que não agem dessa maneira, os que conseguem conversar com uma mulher sem desrespeitá-la ou atacá-la pela sua aparência, ou por qualquer motivo torpe do tipo. O post dizia o seguinte:
“Num geral, homem é um bicho chato e sem graça do inferno né, se sexualidade fosse mesmo opção ninguém gostava de homem. Parabéns aos homens que fogem à regra e são legais, têm traquejo social e sabem interagir com mulher trocando ideia como uma pessoa normal, e não se comportam como um porco com atraso cognitivo e no cio”
Mas, para sua surpresa e revolta, seu post foi removido arbitrariamente, por supostamente ter violado as normas da comunidade do Instagram, “dono” do Threads, acusado de conter discurso de ódio.
Confira o print da justificativa que a plataforma deu à usuária em questão sobre a remoção imediata de seu conteúdo:
Bom, é fato que as diretrizes da comunidade informam que conteúdos classificados como discurso de ódio são sumariamente removidos por conta disso. E sim, ofensas a indivíduos ou grupos de pessoas fazem parte dessas regras. A Central de Transparência da Meta diz o seguinte sobre este tipo de situação:
“Definimos discurso de ódio como um ataque direto a pessoas, e não a conceitos e instituições, baseado no que chamamos de características protegidas: raça, etnia, nacionalidade, deficiência, religião, casta, orientação sexual, sexo, identidade de gênero e doença grave. Definimos ataques como discursos violentos ou desumanizantes, estereótipos prejudiciais, declarações de inferioridade, expressões de desprezo, repulsa ou rejeição, xingamentos e incitações à exclusão ou segregação.”
Por outro lado, a mesma Central também informa o seguinte:
“No entanto, reconhecemos que as pessoas às vezes compartilham conteúdos que incluem calúnias ou discurso de ódio de outra pessoa para condenar essas práticas ou aumentar a conscientização. Em outros casos, discursos, incluindo calúnias, que poderiam violar nossos padrões podem ser usados de forma autorreferencial ou empoderadora. Nossas políticas visam dar espaço para esses tipos de discurso, mas exigimos que as pessoas indiquem claramente a intenção delas. Se a intenção não for clara, poderemos remover o conteúdo.”
Fica aqui uma espécie de “área cinza” quando a ofensa proferida por uma pessoa é, então, um discurso empoderador, ou usado para conscientizar contra essas práticas. Isto é, desde que esteja claramente indicado na publicação que é esta a intenção.
Mas o que seria “indicar claramente”? Sendo este um conceito subjetivo e sujeito a diversas interpretações, ainda que a usuária em questão tenha usado de um tom ofensivo para falar de homens, ela não parece ter deixado claro que estava se referindo apenas a homens assediadores, uma vez que inclusive aproveitou o gancho para enaltecer homens que “sabem interagir com mulher como uma pessoa normal”?
Algoritmo flagra ofensa com eficácia, mas falha em punir o assédio
De qualquer maneira, sendo aceitável ou não a remoção deste conteúdo, existe outra questão que deve ser levantada: a do assédio e da importunação sofridos por ela após publicar uma selfie. Então ofensa não pode, mas mensagens de cunho sexual e invasivas, sem que ela tenha consentido, pode?
Verificando o que a mesma Central de Transparência da Meta diz sobre assédio, as diretrizes são bem mais claras. Lá, consta que “todas as pessoas devem ser protegidas de contato não desejado, que seja repetido ou sexualmente constrangedor […], comentários com teor altamente sexual, ataques com uso de termos depreciativos relacionados a atividade sexual (por exemplo, “puta” e “vagabunda”).”
Parece que essa proteção falhou — e falhou feio, falhou rude. Afinal, a usuária não foi protegida desse tipo de contato, de comentário, de ataque. Ela recebeu tudo isso nas respostas à sua foto, bloqueando todos os usuários que assim o fizeram livremente, sem penalidades imediatas por parte da plataforma. Já o post em que a vítima desabafou sobre tal comportamento específico de homens em redes sociais, foi imediatamente removido por conter “discurso de ódio”.
A moral da história que essa situação bizarra passa, então, é que “tudo bem” atacar alguém, mas a vítima não pode contra-atacar usando as mesmas “armas”, já que será silenciada pelos sistemas automatizados de checagem de conteúdos prejudiciais na rede social.
Bem, parece que dizer que vai “meter dentro”, que “se aparece na minha frente eu dou dentadas”, que “se tirar o filtro aposto que é uma baranga” ou que “agora posta uma sem roupa” não são, então, comportamentos que violam as Diretrizes da Comunidade do Instagram — ainda que sejam exatamente o tipo de coisa que a Central de Transparência da Meta diz ser inaceitáveis e garante proteger seus usuários caso enfrentem ataques do tipo.
Sabemos que essa verificação não é feita por humanos — o que seria humanamente impossível, literalmente —, e sim por meio de algoritmos, treinados para identificar potenciais discursos proibidos. É fácil entender, então, por que a publicação de desabafo da usuária foi rapidamente entendida como uma ofensa pelos bots de verificação, que não são capazes de compreender um contexto mais abrangente, atendo-se às palavras e suas conexões umas com as outras em meio a uma frase ou parágrafo. É uma leitura mais literal, superficial e, portanto, falha.
Mas será que não é mesmo possível, com a tecnologia existente em 2024, treinar tais algoritmos para uma compreensão um pouco melhor do contexto de uma publicação, seja ela com palavras obviamente ofensivas ou não? Digo isso pelo fato de que aquelas mensagens de cunho sexual, assediador e grosseiro passaram livremente pelos “censores” automatizados. Será mesmo que os algoritmos não conseguiriam categorizar dizeres como “vou meter dentro”, “se aparecer na minha frente eu dou dentadas” ou “agora posta uma sem roupa” como ao menos candidatos a uma verificação mais aprofundada, contextual, a fim de realmente proteger usuários e usuárias de agressões em sua plataforma?
Fica a reflexão. E fica também o alerta: pelo visto, não pode falar mal de homem no Threads. Mas ainda assim, assediar, não, não está liberado. Só que a Meta precisa se lembrar disso e aperfeiçoar um pouco mais sua tecnologia de verificação algorítmica, fazendo valer, de fato, toda a proteção que garante oferecer em sua Central de Transparência.
Algo de errado não está certo e, para variar, somos nós, mulheres, que ficamos com a revolta entalada na garganta. Até porque se “soltarmos o verbo” em alguma rede social da Meta, pode ser que sejamos silenciadas por algoritmos sem ao menos uma chance de argumentação.
O que diz a Meta?
Procuramos a assessoria de imprensa que representa a Meta e seus produtos no Brasil, para uma declaração quanto ao “causo”, oferecendo este espaço para a inclusão de seu posicionamento oficial. Contudo, não recebemos resposta até a publicação deste artigo, que será devidamente atualizado o quanto antes recebermos esta devolutiva.
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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.