Racismo online: como o crime tem se espalhado nas redes sociais? - Drops de Jogos

Racismo online: como o crime tem se espalhado nas redes sociais?

O Observatório do Racismo nas Redes identifica e analisa as características do racismo nos ambientes digitais

(Créditos: Polina Kovaleva/Pexels)

A existência de racismo no Brasil é reconhecida sem qualquer ressalva pela maioria da população, conforme pesquisa idealizada pelo Instituto de Referência Negra e pelo Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista.

Brasileiros e brasileiras de todas as idades lidam com o problema diariamente e isso se estende para os ambientes digitais, por onde o racismo tem assumido variados formatos que desafiam os atuais modelos de controle e punição dos agressores. Ajudar a combater o problema é, também, investir no estudo e no desenvolvimento de métodos e técnicas que permitam constante monitoramento das dinâmicas dessas violações. E que racismo é esse? Como ele se expressa – e se transforma – nos meios digitais?

O Observatório do Racismo nas Redes, projeto do Aláfia Lab, surgiu para preencher essa lacuna. Nosso objetivo é identificar, analisar e compreender as principais características do racismo nos ambientes digitais, encarando o desafio de sistematizar parâmetros analíticos para desvelar as dinâmicas de ofensas, ataques e discursos racistas.

Destrinchar esse tipo de discurso é, dentre outros aspectos, um caminho para conseguir expor de forma mais objetiva os contornos do racismo em nossa sociedade, além de ser um modo eficaz de produzir conhecimento que subsidie melhores tomadas de decisões sobre políticas públicas no país.

Casos monitorados de racismo online

Em dois anos de trabalho, monitoramos casos específicos de racismo que repercutiam nas redes digitais e hoje temos um acompanhamento permanente de perfis de personalidades negras brasileiras. Ao todo, acompanhamos 26 perfis e todos os comentários feitos em suas postagens. Já coletamos mais de 1 milhão de publicações no X (antigo Twitter), Instagram e Youtube. O que fizemos foi, em grande medida, destrinchar o racismo online de modo a aplicar lentes que ajudem a entender a composição e a expressão final desses ataques.

Mas, afinal, como o racismo se expressa online?

(Créditos: Polina Tankilevitch/Pexels)

Em nosso primeiro estudo, lançado em abril de 2022, analisamos o caso do assassinato do congolês Moise Kabagambmoise, morto por espancamento na praia da Barra da Tijuca, e a repercussão do episódio marcado pela violência extrema, mas também pelo racismo e pela xenofobia. De um total de 23 mil publicações relacionadas ao caso, apenas 9,7% no Youtube e 6,7% no Twitter faziam menção à questão racial. Isso significa que, apesar de se indignarem com a violência do episódio e clamarem por justiça, a relação entre esse tipo de ato e a questão racial ainda é quase invisível. A demora e a efemeridade com que o tema do assassinato de Moïse foi abordado diz muito sobre como as ações de racismo são tratadas de forma episódica e sobre a própria dinâmica de redes. Percebemos que a participação direta de personalidades de grande alcance na rede é fundamental para que a discussão ganhasse alguma tração.

Essa experiência nos levou à próxima etapa da pesquisa, concentrada em monitorar 26 perfis de personalidades negras e analisar episódios racistas a fim de entender como as ofensas eram postadas, em que momentos e quais as expressões mais marcantes. Assim, e com ajuda da bibliografia, foi possível levantar palavras e termos que reiteradamente são associadas ao racismo, de modo a estabelecer um léxico específico que ajuda na busca direta a esse tipo de publicação.

Ao analisar as publicações desses perfis e os comentários, notamos que ataques racistas nas redes atingem pessoas negras em suas mais diversas características, usando um vocabulário variado e de difícil identificação à primeira vista. O léxico que nos guiou ajudou a entender que esse vocabulário se refere à dimensões da experiência das pessoas negras, direcionando discriminação a aspectos constitutivos de suas vidas. Identificamos cinco dimensões principais:

  • Aparência – Esses ataques usam com frequência comparações de pessoas negras com animais como “macaco” e “urubu”. Esses termos são acionados, por exemplo, em diversas ocasiões contra o jogador Vini Jr., ainda mais quando ele publica sobre alguma conquista esportiva;
  • Territorialidade – A relação das pessoas negras com territórios marginalizados também é uma vertente relevante. O termo “favelado” explicita uma relação entre ataque racistas e território;
  • Religiosidade – Ataques racistas que fazem referência a termos religiosos. O foco principal dos ataques são as religiões de matriz africana, vistas como elemento do mal. O termo “macumbeiro” é frequentemente utilizado;
  • Formas de expressão – A forma de mexer o corpo e interagir com outras pessoas é questionada. O ato de dançar ou gesticular para comemorar um gol, por exemplo, gerou uma série de ofensas racistas nas redes contra jogadores de futebol.
  • Gênero – A intersecção entre ataques racistas e misóginos é significativa. Portanto, falar de ataques a mulheres negras inclui ainda essa outra dimensão do fenômeno.

Discursos racistas

Essas dimensões não estão “soltas” no ar, isto é, elas são expressas por meio de um léxico que, em última instância, ajudam a compor discursos racistas. O exemplo mais evidente dessa lógica é o notório caso do jogador Vini Jr. Via de regra, os agressores usam diferentes emojis e gifs de macacos para contornar a moderação da plataforma, buscando desumanizar o jogador.

(Crédito: Freepik)

Nos dois primeiros meses de 2024, os comentários contendo ataques racistas no Instagram de Vini Jr receberam 2.402 curtidas. Mais do que isso, o tema é imposto ao jogador cotidianamente, que precisa abordar o tema e lidar com o racismo constantemente: 91% das postagens em sua conta no Instagram foram alvo de ataques racistas no período de outubro de 2023 a fevereiro de 2024. Outro ponto a se considerar é o discurso que visa desqualificar a validade ou valor das experiências, perspectivas ou identidades de indivíduos e grupos raciais. Na nossa pesquisa, o principal aspecto atacado nesse quesito é a cultura negra e suas vertentes, como filmes e eventos musicais de funk.

Chamamos também a atenção a um achado que entendemos ser de extrema relevância, qual sejas, a tentativa de invisibilizar a pauta racial. Essa dinâmica é perceptível toda vez que algum caso de racismo é denunciado pelos perfis monitorados, principalmente quando ganha repercussão nacional. A tática mais utilizada para esconder a discussão racial é a de acusar os outros de vitimismo e definir pejorativamente essas pessoas como militantes. Outro discurso marcante é aquele que visa desinformar no sentido de deslegitimar os movimentos antirracistas. Em um post da influenciadora Transpreta, por exemplo, apenas um comentário questionando uma informação histórica foi capaz de gerar grande debate sobre o tema, deixando essa mensagem no topo da lista de comentários, com bastante visibilidade.

O Observatório de Racismo nas Redes trabalha com a noção de racismo como um processo em constante mutação a partir das potências e limitações das plataformas digitais, espaços cada vez mais férteis para esse tipo de crime, e de uso muito comum entre os brasileiros.

Nesse sentido, investigamos práticas racistas não com um intuito quantitativo: nossa preocupação é apresentar um quadro geral do processo de construção desses discursos e um modo eficaz de realizar essa tarefa é:

  1. compreender que determinados termos, expressões ou palavras aparentemente inocentes podem ter caráter racista;
  2. identificar como esse vocabulário se refere a dimensões da experiência das pessoas negras, direcionando discriminação a aspectos constitutivos de suas vidas;
  3. delinear a maneira pela qual essas dimensões formam discursos racistas que seguem diferentes estratégias de ataque. Acreditamos que essa é uma base sólida para a construção de soluções efetivas que precisam ser abraçadas tanto pelo poder público quanto pelas plataformas digitais.

*por Rodrigo Carreiro – Diretor de Pesquisa do Aláfia Lab, Universidade Federal da Bahia (UFBA) | The Conversation

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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