Mais uma vez, a frase “ou você morre como herói ou vive o suficiente para se tornar um vilão” se mostrou profética. Nesta quarta-feira (29) Chris Best, fundador e CEO do Substack, publicou uma carta aberta para fazer o impensável por qualquer pessoa de bom senso: defender a existência de espaços de publicação para discursos nazistas.
No texto, Best usa a justificativa da “defesa dos princípios” que o levaram a criar a plataforma para defender que nazistas declarados têm todo o direito de usar as ferramentas da plataforma de publicação para divulgar esta ideologia. E, ao fazer essa defesa sob o argumento da “liberdade de expressão”, o CEO de uma ferramenta de comunicação prova que o problema dessa indústria é que tem muita gente que não sabe absolutamente nada de comunicação atuando nela.
Por que essa carta foi publicada?
O principal motivo para a existência dessa carta foi a pressão que a plataforma tem sofrido desde novembro de 2023, quando o site The Atlantic publicou uma reportagem sobre como o Substack possui um problema com nazistas. A história aponta ter encontrado 16 newsletters abertamente na plataforma, todas elas usando símbolo notoriamente nazistas e defendendo a aniquilação de judeus e outras minorias. A reportagem ainda aponta que algumas dessas newsletters eram pagas, o que significa que o Substack recebia uma fatia de 10% de todo o valor arrecadado por elas.
Após a publicação da reportagem, alguns dos principais autores da plataforma começaram a pressionar os responsáveis pelo Substack a se pronunciar sobre o caso, pedindo por políticas de moderação de conteúdo mais severas. Na época Hamish McKenzie, outro dos fundadores do Substack, afirmou que a plataforma não iria remover ou desmonetizar os conteúdos nazistas sob a desculpa da “liberdade de expressão”. E com a carta publicada ontem por Best, esta posição se torna mesmo a oficial da empresa.
A confusão com “liberdade de expressão”
A defesa de discurso nazista sob o pretexto da “liberdade de expressão” revela que os responsáveis pelo Substack estão naquele grupo de pessoas que não entendem o que “liberdade de expressão” realmente quer dizer.
Quando o conceito de “liberdade de expressão” é defendido, o real significado dele é que o governo não deveria ter o direito de prender essa pessoa por defender posições que não ferem nenhuma lei. Este sentido real de “liberdade de expressão” pode ser visto em filmes como Ainda Estou Aqui, que mostram como na ditadura militar a polícia perseguia e prendia pessoas por defender ideais que eram contrários ao que o governo da época pregava, mas que não necessariamente eram discursos que incitavam as pessoas a cometer crimes.
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Trecho da carta publicada por Chris Best, onde ele defende Elon Musk e Mark Zuckerberg como “paladinos” da “liberdade de expressão” (Imagem: Captura de tela)
Já pessoas como McKenzie e Best entendem errado o conceito da liberdade de expressão, e acreditam que o que ela defende é que qualquer pessoa diga e defenda oi que quiser sem sofrer consequências. E mesmo quem defende este tipo de significado é cheio de hipocrisias, porque esse conceito de liberdade só se aplica se alguém está tentando ser nazista, racista, xenófobo, sexista ou tentando ofender qualquer outra minoria. Tente ofender a religião dessas pessoas, ou defender uma conduta moral com a qual elas não concordam, que você vai ver como elas esquecem rapidinho de defender a sua liberdade de se expressar.
E claro, não podemos esquecer do Paradoxo de Popper. Ele tenta nos lembrar de um conceito simples: se você usa o argumento da “liberdade” para defender alguém que quer ter a liberdade de calar qualquer voz que é contrária à opinião dele, logo ninguém mais terá liberdade pra nada. Isto acontece porque, ao defender discursos que não pregam a liberdade para todos (como o nazismo), você está dando forças para que esses discursos se tornem hegemônicos. E aí é tipo aquele poema: hoje são os judeus e você não se importou porque não é judeu; amanhã são os otakus e você não se importou porque não era otaku; aí chega a vez dos idiotas, e não vai ter mais ninguém pra se importar com você.
Possíveis alternativas ao Substack
Primeiro, vamos ser claros: o Substack se auto-declarou uma plataforma nazista. É aquela coisa: se 16 nazistas sentam na sua mesa e a sua reação é dar as boas vindas e oferecer ium cafézinho, você também é nazista. Então, o que se espera nos próximos meses é uma debandada de criadores da plataforma, já que qualquer pessoa que ficar por lá a partir de hoje está afirmando que não liga de se sentar em uma mesa com nazistas e dividir um pedaço de bolo com eles.
Um dos primeiros a abandonar o Substack foi Casey Newton, um dos mais renomados jornalistas de tecnologia do mundo. A newsletter dele, Platformer, tinha mais de 170 mil inscritos – e isto sem contar os assinantes que pagavam para ter acesso a conteúdos exclusivos. Eles está levando a newsletter dele para o Ghost, uma plataforma de código aberto para a publicação de newsletters.
Apesar de o Ghost não oferecer algumas das vantagens do Substack (como plano de saúde e assessoria legal), Newton afirma que essas vantagens não se tornam mais tão atrativas quando para ter acesso a elas ele precisa ser publicamente associado a nazistas.
Quem também está migrando para o Ghost é rabina Danya Ruttenberg, conhecida também como a “Rabina do Twitter”. Ela é reconhecida por ser uma das vozes progressistas mais importantes do judaísmo, e criou uma longa thread no Bluesky explicando por que escolheu o Ghost como sua nova plataforma de publicação.
Um dos pontos mais positivos apontados por ela foram o fato do Ghost ser uma organização sem fins lucrativos e que não tem a ambição de se tornar a maior publicadora do mundo e dominar o mercado. Pelo contrário: a empresa confirmou que o objetivo dela é ser uma empresa com não mais do que 50 funcionários (porque para manter mais do que isso significaria que eles estão fazendo práticas abusivas de mercado – palavras do próprio representante do Ghost) e ajudar 1000 escritores a conseguir viver do próprio trabalho.
Danya aponta também a facilidade de transferir todos os seus textos e inscritos do Substack para a nova plataforma, e como o suporte estava sempre disposto a ajudá-la com qualquer problema que surgisse. Além disso, há a diferença de que o Ghost cobra apenas um valor mensal (a partir de US$9) para manter uma newsletter na plataforma, e não pega nenhuma fatia referente aos inscritos dos planos pagos das newsletter. No Substack, 10% do valor total pago por assinantes da newsletter ia para os bolsos da plataforma. Assim Danya aponta que, no caso dela, essa mudança para o Ghost também irá significar um aumento no valor que ele ganha mensalmente.
Ainda é cedo para saber quanto escritores realmente irão sair do Substack, mas a defesa aberta de nazistas é um sinal verde pra todos os principais criadores não-nazistas saírem correndo daquele lugar.
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