Se você não vive debaixo de uma pedra igual o Patrick, provavelmente já sabe sobre o caso da suruba em Araçoiaba da Serra envolvendo o jogador Neymar.
Mas eu não quero entrar aqui em mérito de moralismo, de se o Neymar é cafajeste ou não, o que a esposa dele deve ou não fazer, se orgias são coisas legais ou não (até porque ninguém tem dúvidas de que são sim). Toda essa parte moral não me interessa. Eu não sou um cara de morais, eu sou da ciência.
E se você tem uma mínima noção de educação sexual é só pesquisar cinco minutos sobre essa história da suruba que vai perceber como ela se tornou uma desculpa para divulgar um monte de fake news sobre sexo.
Isso não é culpa nem da acompanhante e nem do jogador, porque eles não tem obrigação de saber essas coisas. Mas é sim culpa da imprensa, que tem a obrigação de dar contexto para as histórias e não simplesmente replicar o que é dito como se fosse uma verdade absoluta.
Fake nº1 da suruba do Neymar: xixi após o sexo evita gravidez
A primeira coisa que quero abordar aqui é uma história que veio do próprio Instagram de Any Awuada, a modelo e acompanhante que supostamente transou com Neymar na suruba. Ao ser perguntada por um seguidor se preocupou com engravidar do jogador, ela respondeu que não.
E o motivo seria porque, logo após o sexo, ela fez xixi. E, “como todo mundo sabe”, você não pode engravidar se fizer xixi depois do sexo. Só que pode sim, viu filha?
Eu sei, eu sei, essa história de fazer xixi depois do sexo previne gravidez é lá do tempo da minha vó. Mas assim como muitas crendices do tempo dela, isso não passa de crendice mesmo e tá totalmente errado.
Tipo, dá pra entender a lógica: se você faz xixi depois do sexo, a urina iria “limpar” toda a parte interna e despejar todo o esperma pra fora do corpo. O problema é que ela não faz isso por um motivo: o xixi não sai pelo mesmo lugar que o esperma entra.
Uma menina que trabalha como garota de programa dizendo esse tipo de coisa é triste demais porque, pra alguém que usa a vagina para pagar as contas, ela parece não saber exatamente como seu instrumento de trabalho funciona.
Apesar de parecer usar o mesmo “buraco” vaginal, o sistema reprodutor (onde o esperma entra) e o sistema urinário (onde o xixi sai) feminino são duas coisas distintas. Durante o ato sexual, o esperma é expelido na vagina, sobe pelo útero e eventualmente chega as trompas, que é onde ocorre a fecundação do óvulo que, se fecundado, irá então se alojar no útero para todo o desenvolvimento da gravidez.

Duas representações externas da vagina, pra vocês entenderem que o lugar que o pinto entra não é o mesmo que o xixi sai (Imagem: montagem feita por Rafael Silva utilizando imagens da representação externa da vagina encontradas nos sites Manual MSD e Anatomia & Fisioterapia)
Já o xixi sai da bexiga, passa pela uretra e é expelido pela óstia externa da uretra, que fica tão próxima à vagina que muita gente acredita ser uma coisa só. Mas não apenas são duas coisas diferentes como não há qualquer tipo de ligação entre elas.
Então, não. Fazer xixi logo depois do sexo não vai te livrar de uma gravidez indesejada. Tipo, fazer xixi logo após o sexo é bom porque ele diminui sim as chances de você desenvolver uma infecção urinária (o xixi ajuda a “matar” as bactérias que podem ter entrado na uretra durante a prática sexual), mas não vai te ajudar em nada numa gravidez indesejada.
A única coisa que evita gravidez são métodos contraceptivos, e o único método contraceptivo que garante 100% de eficácia contra gravidez é, se você for mulher, não transar com homens (se for homem tá liberado).
Fake nº2 da suruba do Neymar: adesivo contra gravidez
Uma coisa que as diversas entrevistas da Any sobre a suruba com o Neymar revelaram é que o atacante do Santos gosta de transar “no pelo” – ou seja, sem usar preservativos. E, para deixar as meninas tranquilas, ele aponta para um adesivo na coxa, que diz evitar que ele engravide uma mulher ou mesmo contraia (e passe adiante) qualquer DST.
Bom demais pra ser verdade né? Mas é porque não é.
Tipo, existe sim um famoso adesivo que funciona como prevenção de gravidez. Só que ele só funciona se for usado por mulheres.
Isto porque ele é basicamente uma versão mais moderna da pílula. Assim como a pílula anticoncepcional, este adesivo previne a gravidez liberando doses diárias de estrogênio e progesterona, que bloqueiam a ovulação e dificultam a movimentação dos espermatozoides.

Só que esses hormônios só fazem algum efeito se o adesivo for usado por uma mulher. Se usado por um homem (como, por exemplo, chutando uma pessoa qualquer aqui, o atacante Neymar do Santos Futebol Clube), o efeito dele para proteção contra gravidez é nulo.
Assim como é nulo o efeito deste ou de qualquer outro adesivo para prevenção contra ISTs. O único método contraceptivo que também protege contra infecções sexualmente transmissíveis é a camisinha. Isto acontece porque, por enquanto, este é o único meio que protege os praticantes da forma como a transmissão dessas infecções ocorrem: pelo contato direto de órgãos e fluidos durante o ato sexual.
Fake nº3 da suruba do Neymar: enganar as mulheres é “engraçadinho”
Esta talvez seja uma das ideias mais perigosas propagadas pela história da suruba. Porque ela não propaga apenas uma historinha que alguém que não manja muito de ciência acha real, mas ajuda a manter a tal “cultura do estupro” que tanto vitimiza mulheres de todas as camadas sociais.
A maioria dos sites tem propagada a história do tal adesivo do Neymar como algo “engraçadinho”, “molecagem”, “ah lá que safado ele”, como se fosse apenas uma “pegadinha” que ela passa nas mulheres com quem transa. E, na real, isso é crime.
Desde 2009, o artigo 215 do Código Penal instituiu o crime de “violação sexual mediante fraude”. Em outras palavras, ainda que você não tenha tecnicamente estuprado uma mulher porque ela deu o consentimento para fazer sexo com você, se ela deu esse consentimento enquanto era enganada (por exemplo, acreditando que você estava usando métodos contraceptivos e não usou nada), você cometeu um crime e pode pegar de dois a seis anos de prisão.
Na maioria das vezes, o artigo 215 é usado para coibir a prática de stealthing (quando um homem tira a camisinha no meio do ato sexual sem contar para a parceira), mas se enquadra também no caso da suruba do Neymar. Afinal, se alguma das parceiras dele só aceitou transar sem proteção porque acreditou que o adesivo do jogador a protegeria de engravidar ou pegar uma IST, ela pode sim ter sido vítima de “violação sexual mediante fraude”.
Pelo jeito como a história é contada, não acredito que nenhuma delas vá entrar com um processo contra o jogador por causa do artigo 215. Mas, mesmo assim, deveria ser papel da imprensa contextualizar direito a história e explicar sobre como o jogador poderia estar cometendo um crime com a história do adesivo. E não apenas contar tudo aos risinhos, como se fosse um grupo de adolescentes inventando histórias sobre quem comeu quem numa festa que nenhum deles foi.
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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.