Ontem uma notícia “bomba” abalou os fãs de Doctor Who: “insiders” da indústria confirmavam que a série chegaria ao fim por ser “muito woke”.
De acordo com este rumor, o ator Ncuti Gatwa não está feliz com a pressão dos fãs que consideram o personagem dele “muito woke” e não gostaria de continuar associado a essas críticas em nome do futuro dele em Hollywood. O tal rumor ainda fala sobre o programa estar sendo muito mal administrado desde o retorno de Russel T. Davies como showrunner, e que as pessoas que apontavam o fato de alguns episódios serem muito “woke” eram silenciadas. E que, por conta de tudo isso, a BBC e a Disney estavam considerando colocar a série em hiato.
Achou tudo muito incrível para ser verdade? É porque provavelmente não é.
Todos os lugares que publicaram essa notícia tinham uma única fonte em comum: o tabloide inglês The Sun. Pra quem não sabe, o The Sun é notório por inventar histórias desse tipo. É tão conhecido por isso que existe até um documentário que prova não apenas como é fácil fazer com que o tablóide publique qualquer rumor absurdo envolvendo celebridades, mas como ele também aumenta os casos e inventa declarações que não foram ditas por ninguém.
Chris Atkins, diretor do documentário Starsuckers, chegou a dizer certa vez que se uma matéria do The Sun usa argumentos como “uma fonte próxima”, “um amigo” ou “um insider disse” em um artigo, isso quer dizer que aquilo tudo foi inventado para gerar views.,
E adivinha de onde saiu toda essa história sobre Doctor Who? Sim, de “um insider”

Doctor Who como ferramenta de desinformação
Aqui no Brasil, o Omelete foi o maior site que eu vi publicar a notícia, mas em uma rápida busca no Google é possível achar diversos blogs menores que também se basearam nesse rumor e publicaram a história como verdade.
Claro, todos eles tentaram se resguardar falando que “é só um rumor”, mas como nenhum desses lugares – nem mesmo o Omelete – ofereceu o contexto de que o The Sun é um tabloide conhecido por inventar histórias desse tipo sob o nome de “rumor”. Então eles podem até estar protegidos judicialmente de serem acusados de espalhar mentiras, mas na prática estão dando uma informação que muito provavelmente é mentirosa para a sua audiência, e sem explicar a esta mesma audiência que isto tem grandes chances de ser uma mentira.
E isto, meus amigos, tem um nome: se chama desinformar. Uma palavra que é basicamente o puxadinho daquele lugar mais famoso que a gente conhece como fake news.

O problema do jornalismo de rumores
Que fique claro: não estou dizendo que não é possível fazer jornalismo de verdade baseado em rumores. Aqui no Drops a gente mesmo faz isso. Rumores e conversas de bastidores podem sir possuir valor notícia real, e servir para explicar ao público porque certas coisas aconteceram. Mas é preciso saber identificar se a fonte do rumor é confiável.
E é aí que mora o problema: qualquer pessoa que tenha um mínimo de conhecimento do mercado de mídia sabe que o The Sun não é confiável. E eu tenho certeza que ninguém é contratado para escrever para um site tão grande como o Omelete conhecendo absolutamente nada do mercado de mídia.
Isso não quer dizer necessariamente que TUDO o que o The Sun publica é inventado. O tabloide também tem um longa história de furos reais. Mas a quantidade de histórias inventadas também é tão grande que não é possível considerar elas como erros pontuais. Então, o The Sun é uma fonte que não pode ser considerada como confiável.
E o que fazer nesses casos? Checar fontes que são mais confiáveis. No caso de Doctor Who estamos falando de um programa de TV, e as melhores fontes sobre rumores envolvendo essa indústria são os sites Deadline e The Hollywood Reporter. E uma rápida pesquisa neles mostra que essa história não foi publicada por nenhum dos dois.
Ao fazer uma pesquisa um pouco menos rápida, é possível ver que todo mundo que publicou essa história tem uma única fonte: o The Sun.

Então, temos uma história que envolve um conhecido ator de Hollywood, uma série que existe há 62 anos e que é atualmente é um produção conjunta de BBC e Disney, dois dos maiores conglomerados de mídia do mundo. E o único veículo de imprensa que ficou sabendo desses rumores foi um tabloide inglês conhecido por inventar histórias?
Vamos pensar por cinco segundos aqui: qual é o mais provável? Que todas as maiores publicações especializadas no mundo do entretenimento não ficaram sabendo dessa história, ou que o jornal conhecido por inventar coisas inventou mais uma coisa? Eu não vou apontar nada aqui. Eu quero é que você me diga: o que é mais provável?
O que é oficial sobre Doctor Who até agora
Como esse rumor viralizou pela web, a BBC foi rápida em se pronunciar que a história toda era mentira e que Doctor Who não foi cancelado. Esse porta-voz da empresa afirmou ao jornal The Mirror que a terceira temporada só será confirmada assim que a segunda temporada da série for ao ar, e lembrou que a BBC e a Disney possuem um contrato para a produção de 26 episódios em conjunto. Até o momento, apenas 11 foram lançados (três especiais e oito da 14º temporada).
Isso quer dizer que Doctor Who está a salvo, que Ncuti Gatwa vai cumprir o contrato até o fim e nada vai atrapalhar o lançamento dos 26 episódios? Também não. Contratos são quebrados o tempo todo, atores mudam de ideia sobre papéis e muita coisa pode acontecer no período entre a gravação de uma temporada e outra em qualquer programa de TV.
Mas tudo indica que essa história em específico, de que a série seria cancelada por uma preocupação excessiva em ser vista como “woke demais”, não passou de uma história inventada por um tabloide conhecido por inventar histórias. E que muita gente republicou sem contexto ou crítica nenhuma, porque no atual momento do jornalismo ver a linha de cliques em um link subindo é mais importante do que informar de verdade o seu público.
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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.