POR JAIME DANIEL. Ele é especialista em jogos e realizador de oficinas introdutórias de jogos de tabuleiro, personalidade sempre presente nos principais eventos de RPG e boardgames em São Paulo e mantém uma produção regular de vídeos sobre o assunto em seu canal de YouTube, O Metagamer.
Você que está lendo este texto provavelmente já jogou War, Banco Imobiliário ou Jogo da Vida. Talvez já tenha jogado todos eles. Mas você sabe o nome dos autores desses jogos? Não sabe, né? Mas sabe o nome do seu autor favorito, sabe o nome do diretor do último filme que assistiu e talvez até os finalistas do último Big Brother! Bem, com o crescimento do mercado de boardgames, informações sobre seus criadores estão se tornando cada vez mais comuns. E um dos nomes mais conhecidos no cenário dos jogos de tabuleiro nacionais é Sérgio Halaban.
Sergio Halaban é um experiente game designer brasileiro com dezenas de jogos já lançados por diversas empresas, tanto no Brasil como no exterior. A lista de jogos é longa, desde o Corrida Presencial pela Game Office em 1998 até o Floresta Encantada pela Andoleta, em 2021, são mais de 40 títulos. Eu já joguei vários de seus jogos e sou um fã declarado dele, como game designer e como pessoa. Foi complicado escolher poucas perguntas porque conversar com Sergio Halaban sempre é uma ótima experiência. Mas é certamente uma conversaa empolgante, que é também um passeio pela história dos jogos de tabuleiro no Brasil.
Jaime Daniel – Olá Sergio, obrigado por nos conceder esta entrevista ao Drops de Jogos.
Sérgio Halaban – Olá Jaime e amigos do Drops de Jogos!
É um prazer estar aqui e conversar com vocês.
Jaime Daniel – Sergio, sua história corre paralela com o história do chamado boardgame moderno no Brasil. Seu primeiro jogo junto com o André Zatz foi o Corrida Presidencial em 1998 pela Toyster, confere? Como era jogar tabuleiro no Brasil nessa época? O que você jogava? Algum desses títulos inspirou seus primeiros jogos?
Sérgio Halaban – Sim, confere. Mas preciso só fazer uma pequena correção. O Corrida Presidencial foi criado em colaboração com mais duas autoras: Silvia Zatz e Camila Guimarães.
Naquela época estávamos começando a conhecer outros jogos além dos clássicos Banco Imobiliário, War e Detetive. Não existia uma comunidade de jogadores, ou pelo menos não conhecíamos outros jogadores, então jogávamos entre nós mesmos e com outras pessoas de nossas famílias. Depois que o Corrida Presidencial foi publicado, o Ricardo Christe (colega de faculdade do André Zatz) nos “descobriu” e nos convidou para uma edição da Festa do Peão de Tabuleiro, que ele organizava junto com o Fabio Tola. Lá conhecemos o Tola e várias pessoas que assim como nós estavam começando a jogar os jogos modernos alemães. Entre todas essas pessoas o André reencontrou outros colegas de faculdade: Maurício Gibrin e Fabiano Onça. Muitas dessas pessoas se tornaram bons amigos.
Encontrar outras pessoas que estavam descobrindo e se maravilhando com os mesmos jogos que nós foi uma grande mudança. Agora tínhamos muito mais gente com quem jogar e muito mais jogos. A sensação era de estarmos todos desbravando um novo mundo.
Dos vários jogos que conhecemos nessa época um jogo que nos inspirou para o Corrida Presidencial foi o Escape from Colditz.
Jaime Daniel – De 1998 pra cá, o mercado de boardgames foi crescendo devagar, com títulos aparecendo esparsamente e você foi acompanhando simultaneamente esse processo lançando também seus jogos. Quais os momentos que você presenciou que acredita terem sido marcantes para a história dos boardgames no Brasil?
Sérgio Halaban – Antes de 1998 o mercado brasileiro de jogos de tabuleiro já havia passado por alguns momentos importantes. O lançamento do War (primeiro jogo publicado pela Grow) foi um momento importante. Um novo fabricante trazendo jogos de estratégia para adultos. Claro que temos que relativizar, estamos falando da década de 70 e um mercado onde o jogo de tabuleiro era um produto consumido exclusivamente por crianças. No final da década de 70 a editora Abril lançou uma coleção de fascículos semanais chamada Todos os Jogos. Essa coleção, que foi idealizada e coordenada pelo Mário Seabra, possibilitou a criação de um clube de jogos aqui em São Paulo chamado Elo. Na década de 80 (que era lembrada como a “década de ouro”) a Grow lançou muitos jogos de estratégia como Waterloo, Carga Máxima, Top Secret… . No fim da década de 90 a internet expandiu as fronteiras para os jogos de tabuleiro e com isso vieram as festas. A pioneira e mais famosa foi sem dúvida a Festa do Peão de Tabuleiro em São Paulo. Em outras cidades encontros de jogos começaram a acontecer e a primeira lista de discussão sobre jogos foi criada no Yahoo. Com isso pessoas de vários cantos do Brasil puderam se encontrar e trocar experiências e informações. Outro marco na internet foi a criação do primeiro portal de jogos brasileiro: a Ilha do Tabuleiro. A partir dai a comunidade não parou de crescer. E com isso vieram os primeiros empreendimentos. Os primeiros editores, as primeiras revistas, a primeira Luderia (Ludus).
Outros marcos mais recentes, na minha opinião, são o lançamento do Summoner Wars pela Galápagos, que inaugurou a primeira fase dos financiamentos coletivos no Brasil. Além disso, a expansão de editores, o lançamento do Zombiecide, os eventos regulares de jogos como BGSP e outros, o Diversão Offline, que foi a primeira feira de jogos no Brasil, a consolidação da Ludopédia como portal brasileiro de jogos de tabuleiro, o prêmio Ludopédia, o aumento de lojas físicas…
E tem certamente um monte de outras coisas que foram acontecendo nos últimos 10 anos que fizeram nosso hobby crescer muito e rápido.
Jaime Daniel – Seus jogos alcançaram a Europa e os Estados Unidos, inclusive lançou dois jogos em parceria com Bruno Faidutti. Outros designers também estão conseguindo lançar seus titulos no exterior. Você sente que os brasileiros estão ganhando o mundo dos boardgames? Há uma “escola brasileira” de boardgames?
Sérgio Halaban – O Cartógrafos (finalista do Kennerspiel des Jahres em 2020) pode ser um divisor de águas nessa conquista do mundo pelos autores brasileiros.
Confesso que não jogo muito do que é criado no Brasil. Joguei alguns dos jogos publicados. Mas tento acompanhar os anúncios e vejo que a quantidade de novos projetos tem aumentado bem. E o que é mais legal, vejo cada vez mais envolvimento das editoras brasileiras nesse processo todo. Com isso acho que é natural a evolução da criação nacional e por consequência a conquista do mercado exterior.
Publicar um jogo fora do Brasil pode ser tanto o resultado de um esforço individual do autor como um esforço da editora brasileira que já publicou esse jogo no Brasil e vai tentar sublicenciar lá fora. O mercado mundial é muito competitivo, mas a experiência acumulada tanto por autores como por editores ajuda muito na evolução criativa e profissional de todos que querem empreender no hobby. O resultado disso já está aparecendo.
Quanto a uma identidade brasileira, não sei dizer. São tantas pessoas, de tantos lugares diferentes, com histórias e bagagens diferentes, que acho difícil falar em escola brasileira. O importante é que a criatividade brasileira que é tão respeitada em outras áreas, como a música por exemplo, está se manifestando também na criação de jogos de tabuleiro.
Jaime Daniel – Sergio, seus jogos variam bastante entre mecânicas e temas, mas eu fico com a impressão que boa parte dos seus jogos visam a família como público-alvo, estou certo? É complicado criar um jogo voltado para diferentes faixas etárias? Como é ver seus jogos sendo desfrutados por pais, mães, avós e crianças?
Sérgio Halaban – Sim, meus jogos publicados são voltados para famílias e crianças. Sobre a dificuldade, logicamente um jogo voltado para um jogador mais especializado demanda mais trabalho simplesmente porque o jogo terá muito mais elementos e uma duração maior. Mas do ponto de vista da originalidade, que é uma demanda cada vez maior independente de a qual publico o jogo se destina, a dificuldade é mais ou menos a mesma.
Vencidas todas as dificuldades durante o processo de criação e publicação de um jogo, quando esse produto chega na casa das pessoas e você tem o feedback dos jogadores, que nem te conhecem e simplesmente se divertiram muito com algo que você idealizou e desenvolveu, é uma sensação muito boa!
Ver que isso chegou até a as pessoas, que elas se divertiram, passaram algumas horas imersas numa experiência que você imaginou. É muito legal!
É o sentido de ser de tudo isso, proporcionar momentos de diversão para as pessoas.
Jaime Daniel – Eu não tive a oportunidade de jogar Corrida Presidencial, mas vi Jogo da Fronteira, Quartz, Sheriff de Nottingham, Pega o Pinguim e outros. Em vários deles o humor brota naturalmente de situações no jogo (“Contrabando, EU??? Imagine Sheriff, eu tenho apenas dois queijos na bolsa…”). Isso é proposital? Sergio Halaban é um bom (game designer) piadista?
Sérgio Halaban – Hahaha! Não é proposital. Eu gosto de conversar enquanto jogo. Talvez por isso meus jogos tenham essa característica em comum, de provocar a conversa entre os jogadores.
Eu gosto de contar piadas, embora não seja muito bom nisso!
Jaime Daniel – Por mim eu faria mais umas 200 perguntas, mas acho que já estou abusando. Então vou pedir que você recomende alguns jogos que não sejam seus que estejam no mercado… mas eu deixo você fazer propaganda do seu próximo jogo!
Sérgio Halaban – Putz! São tantos jogos…
Um jogo que estamos curtindo muito aqui em casa é o It’s a Wonderful World.
Cartógrafos do amigo Jordy Adam é um ótimo jogo, recomendadíssimo.
Comic Hunters do querido Robert Coelho é excelente.
Gnomopolis do Patrick e do Igor.
Alguns jogos que estão na minha lista de desejos e talvez compre pelo menos um em breve são: A Tripulação, Wingspan, Everdell, Colt Super Express e Walk the Plank.
Meus últimos jogos publicados foram Dog’s Day (Geeks’n Orks) e Floresta Encantada (Adoleta), mas aí eu sou muito suspeito para recomendar, rsrs.
Jaime Daniel – Grande Halaban, sempre é um prazer enorme trocar ideias com você!
Sérgio Halaban – O prazer é meu, Jaime! Obrigado pelo convite e um grande abraço para os amigos do Drops de Jogos.
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