Sobre plágio, ética e jornalismo de games. Por Pedro Zambon, colunista do Drops de Jogos - Drops de Jogos

Sobre plágio, ética e jornalismo de games. Por Pedro Zambon, colunista do Drops de Jogos

Tretas. Se você segue o jornalismo de games não demora para apreciá-las de tempos em tempos. Infelizmente para o próprio jornalismo muitas vezes os profissionais de imprensa especializada são os principais personagens nas tramas. Desta vez (e não pela primeira vez) o protagonismo está em nossa mídia nacional.

Foto: Reprodução/Twitter

Como não vi nenhuma discussão que voltasse o debate para um aspecto ético do jornalismo de forma mais aprofundada – e até acadêmica – aproveito minha inspiração de um semestre como professor de ética para a graduação de jornalismo na Unesp para esmiuçar alguns pontos.

Uma ressalva importante: apesar de publicar esta coluna no Drops de Jogos, não tenho qualquer vínculo formal com este veículo e publico este texto como artigo de opinião individual embasado em aspectos teóricos e conceituais da profissão do jornalista. A publicação deste texto é espontânea e não foi encomendada pelos editores deste site. Sendo o espaço de maior visibilidade na mídia especializada que possuo, optei por publicá-lo aqui. 

O caso e a repercussão

No dia 12 de março uma resenha do jogo The Legend of Zelda: Breath of the Wild foi lançada no IGN Brasil, assinada pelo jornalista Marcus Oliveira, um dos editores do portal.  Na noite do dia 13 de março, Hamish Black do canal Writing on Games (um canal relativamente pequeno com pouco mais de 35 mil inscritos) declarou-se espantado em um tweet (acima) com o fato da resenha se caracterizar como plágio do roteiro de um vídeo lançado na semana anterior

Após o impacto negativo do tweet, o conteúdo foi deletado e o jornalista responsável pelo conteúdo anunciou que o erro havia sido feito por um freelancer. Pouco depois o próprio jornalista admitiu a história, assumindo a culpa pelo plágio. Ainda que tenham surgido rumores e especulações sobre a demissão voluntária ou involuntária do profissional, nenhum posicionamento oficial foi tomado até a publicação deste artigo, tampouco foi confirmada qualquer ação do portal, como o desligamento de seu editor.

No jornalismo, qual é o problema de plagiar um conteúdo?

Por mais óbvia que pareça a resposta, ela não cerne apenas o aspecto moral da apropriação indevida de conteúdo de autoria alheia, mas também aspectos éticos e legais.  

Primeiramente, nos aspectos legais, os direitos intelectuais de uma obra são assegurados pelo art. 5, inciso XXVII da Constituição Federal, pela Lei dos Direitos Autorais 9.610/98, e por outros aspectos muito bem tratados neste artigo. Mesmo assim não existem casos recentes de sanções penais por ocorrências dentro do jornalismo brasileiro. A legislação vigente acaba sendo atribuída a outros aspectos da produção intelectual. Então o que incorre ao jornalista em questão? 

Sendo jornalista, o autor da publicação do IGN assume uma série de compromissos que são inerentes à profissão, como a submissão ao Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Sem peso de lei, desrespeitar o código de ética não pode acarretar em muito mais do que a expulsão do sindicato (ou proibição em se associar caso não esteja vinculado). Algo que, considerando os efeitos e impactos que o jornalismo tem na sociedade, chega a ser quase cômico. Pegando um exemplo muito mais grave e problemático que o deste relato, do plágio de 65 reportagens de 23 jornalistas diferentes pela jornalista Joice Hasselmann, esta foi a punição devida.

Mas isso não significa que não há consequência. Sendo uma carreira pautada sobretudo pela credibilidade, a infração pode resultar – muito além que uma sanção legal – uma repercussão profunda para o indivíduo e veículo que incorreu com o erro. Desta forma cabe ressaltar que vários dos artigos do código de ética são feridos pelo plágio de um conteúdo, cabendo a um especificamente tratar do caso:

Art. 6º IX – O jornalista deve: respeitar o direito autoral e intelectual do jornalista em todas as suas formas;

Este artigo não existe sem motivo. O valor do produto jornalístico parte de sua autoria, originalidade e origem. Sem este pressuposto básico, em um suposto ambiente sem autores, a produção informativa não apenas inviabilizaria seu modelo de negócio, mas as bases que constroem o pacto de confiança entre o público e o jornalismo. O público, em tese, busca a informação pelo jornalista porque crê em suas capacidades técnicas de mediar a informação e éticas de informá-las pautado na veracidade. Não há espaço para o plágio nessa equação.

E porque um jornalista cometeria um erro tão óbvio e grave?

Existem duas possibilidades para ocorrência do plágio: ingenuidade ou deliberação motivada por alguma vantagem, necessidade ou pressão externa. No caso do jornalista Marcus Oliveira, não sendo novato, fica claro que a ingenuidade – sobretudo típica de estudantes de jornalismo ou recém-formados – não está em pauta. Resta a deliberação. 

O primeiro passo que o  infringir deliberadamente este pressuposto tão básico do jornalismo é uma armadilha perigosa e pretensiosa que fazem os jornalistas cometerem os mais diversos erros éticos encontrados na imprensa: a crença de que não serão descobertos. Ao traduzir o roteiro de um vídeo em outro idioma para produzir uma resenha o jornalista, acredito, jamais imaginou que alguém perceberia a similaridade dos conteúdos.  Se houve ingenuidade na atuação deste profissional foi nesse ponto. Em plena Era da Informação, com os aparatos comunicacionais cada vez mais multiconectados, imaginar que ninguém descobriria este atalho – para não dizer outra coisa – na produção desse conteúdo é subestimar a capacidade do público, sobretudo estando em um veículo com tanta visibilidade e nome como o IGN. 

Outro processo induz o jornalista perigosamente ao erro é a eventual descrença de que algo desse tipo possa vir acarretar alguma consequência mais grave, principalmente com a falta de meios legais de sanção como descrevi anteriormente. É importante ressaltar que o jornalista em questão é um veterano e recorrer ao plágio é arriscado demais para ser recurso sem justificativa minimamente consolidada. 

Por não conhecer pessoalmente o jornalista e possuir apenas um superficial conhecimento de sua trajetória enquanto profissional, entro aqui num aspecto muito mais especulativo. Não creio que a ocorrência esteja relacionada ao seu caráter ou mesmo competência. Dificilmente ele teria chegado a uma posição de credibilidade e prestígio que iriam lhe conferir o posto de editor de um portal desta visibilidade se houvesse em seu histórico qualquer indício deste tipo de atitude. Também não acredito na possibilidade de alguma pressão externa ter explicitamente forçado Marcus Oliveira a cometer o plágio.  Prefiro não crer que um portal da magnitude do IGN, que possui uma estrutura profissional e editorial sem precedentes na mídia especializada nacional, recorreria a este tipo de coerção ou mesmo não desestimularia atitudes do gênero por seus jornalistas.

Uma última hipótese é a da necessidade. E porque poderia ser necessário a um editor do IGN recorrer ao plágio? Sem me adensar em uma discussão que não é a centralidade deste texto, destaco principalmente a necessidade de cumprir com a demanda produtiva, muitas vezes extenuante, da criação de conteúdos originais. Um processo de stress, induzido por rotinas de trabalho sem fronteiras de horário e focadas em metas cada vez mais competitivas para a lógica de um mercado acirrado, como pode ser visto neste artigo

Não podemos permitir uma relativização da ética por uma condição do ambiente produtivista, nem tampouco atenuar a gravidade do erro. Mas não podemos reduzir o debate a simples questões de caráter. 

Por se tratar de um conteúdo denso e complexo de um produto recém lançado no mercado (Zelda: Breath of the Wild), a hipótese torna-se plausível: o jornalista precisava publicar o quanto antes um artigo inédito e de qualidade sobre o jogo, e recorreu aos recursos disponíveis quando lhe faltou fôlego para a realização do bom e velho jornalismo.

Responsabilidade: do jornalista ou do veículo?

Esta é uma pergunta importante e necessária, mas uma resposta ampla dependeria de algumas variáveis que só poderiam ser verificadas com informações internas do fluxo da produção de conteúdo do IGN. 

Mas na perspectiva da repercussão externa, é dever tanto do jornalista como do veículo assumir e admitir o erro cometido como forma de minimizar os danos e impactos de uma falha cometida. Ainda que a empresa jornalística não tenha controle dos erros individuais cometidos pelos seus profissionais associados, ela é a responsável por sua atuação. Isto se dá, sobretudo pelo peso e visibilidade de uma retratação. Se o erro individual do jornalista ganha proporções amplas por meio de uma publicação no veículo, uma desculpa individual do jornalista por meio de um perfil social não garante esse equilíbrio. 

Isentar o veículo de instrumentos de verificação e apuração que minimizem ou barrem este tipo de desvio, é assumir que o único a zelar pela ética do conteúdo é o jornalista, o que não é verdade. A responsabilidade é compartilhada, e deve ser evidenciada de maneira clara quando ferida, como ressalta o código de ética:

Art. 7º VIII – O jornalista não deve: assumir a responsabilidade por publicações, imagens e textos de cuja produção não tenha participado;

Em resumo: o veículo não é culpado, mas tampouco vítima dos desvios de seus profissionais. E deve se posicionar claramente neste sentido, tal qual o jornalista que cometeu o erro. 

Art. 12º VI – O jornalista deve: promover a retificação das informações que se revelem falsas ou inexatas e defender o direito de resposta às pessoas ou organizações envolvidas ou mencionadas em matérias de sua autoria ou por cuja publicação foi o responsável;

A errata é necessária, não apenas com um pedido de desculpas formal, mas igualmente com a publicização deste erro com a mesma exposição que o conteúdo contestado. No caso do jornalista Marcus Oliveira, tanto jornalista quanto veículo pediram desculpas, mas após o apagamento da resenha plagiada, nenhuma retratação oficial foi realizada (até o momento). Dentro dos pressupostos éticos da imprensa, essa seria a atitude mais correta a ser tomada.

Como devem agir os outros veículos diante de um caso desse?

O primeiro ponto é a cautela, principalmente com a dificuldade de apuração de um caso tão particular e por se tratar de um acontecimento interno da imprensa. Um outro veículo especializado em game publicar qualquer coisa apressadamente pode acabar se colocando em posição de buscar vantagem (voluntária ou involuntária) de um erro do concorrente para minar a credibilidade do veículo rival. Isso seria, e nem precisaria dizer, extremamente antiético. O papel do jornalismo desta forma não está em noticiar a todo custo, mas diante da repercussão, refletir e gerar reflexões e principalmente, uma autocrítica sobre os erros da imprensa de games como um todo (e não apenas de um veículo ou jornalista). 

Não há de se negar que em caso de erros profissionais a endogenia é clara, e que existe a tendência – em qualquer segmento profissional – de proteção mútua. “Passar o pano” quando um jornalista erra é personalizar o erro, sem refletir suas motivações ou mesmo se adensar no debate que acarretou esta falha. E os jornalistas precisam aceitar: a posição de “vigilantes” das falhas alheias nos coloca como vidraça constante. E não estamos isentos de erros. 

O que podemos aprender com tudo isso?

Em primeiro lugar que copiar conteúdo de outros não sairá impune, principalmente esta prática infelizmente comum de traduzir conteúdo alheio e assinar como produção própria. O amadorismo do jornalismo de games ficou para os blogs e fóruns do passado, e o jornalista do setor deve se submeter aos preceitos éticos e deontológicos da profissão. 

Por fim, isso nos alerta que há algo de errado com o jornalismo de games. Um jornalista veterano executar uma falha tão primária como o plágio nos acende um alerta vermelho sobre o modo de produção de conteúdo informativo para o setor. A autocrítica, sempre necessária, não pode ser relegada a momentos de crise como esse, mas a uma atuação constante, que ressignifique a lógica quantitativa da produção de conteúdo para um esforço qualitativo. 

Pedro Santoro Zambon é professor, jornalista, gerente de marketing da Tlön Studios e mestre pela UNESP. Atualmente no doutorado, dedica-se a estudar as políticas públicas para o setor. Assina a coluna Gamestorming, em homenagem a um dos principais sites que cobria a indústria de desenvolvimento de games no Brasil. A página era parceira da revista INFO EXAME, da editora Abril.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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Cultura
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