Publicado originalmente no dia 26 de novembro de 2016 no site Geração Gamer
A história dos games no Brasil é fonte de duas coisas: Redescoberta e mistério. O país de 2016 é infinitamente diferente de 1981 e muito diferente dos anos 90. Este site em si foi criado a partir de uma coluna que se dedicava semanalmente a descobrir os desenvolvedores de jogos brasileiros. Por isso mesmo, é notável reconhecer o esforço de meses e profunda dedicação de Hugo Haddad e Pedro Falcão no documentário “Paralelos“.
Da dupla, Falcão tinha uma ideia de pesquisar a cena brasileira e já demonstrava isso em pautas que publicou no site Red Bull Games. Figura presente no site há mais de três anos, depois de uma bem-sucedida passagem no falecido Kotaku Brasil, Pedro Falcão chegou a escrever sobre a cena de Pokémon no Brasil e se aprofundou nos gostos dos desenvolvedores de nossas terras.
A paixão se espelha em “Paralelos”, documentário que ele confessa que saiu com uma certa dor de cabeça. Muitos entrevistados não eram facilmente encontráveis nem na internet. Com ajuda de jornalistas mais antigos da indústria nacional, como Pablo Miyazawa, Falcão entrevistou pela primeira vez figuras que só haviam se destacado no Brasil em games nos anos 80 e 90.
Falcão e Haddad falaram com João Costa, primeiro funcionário da japonesa Taito no Brasil e responsável pelos primeiros fliperamas – falsificados de modelos americanos – no país. A empresa também chegou a ser dona da Playland, responsável por arcades em shopping centers brasileiros, e do parque Playcenter. A dupla também exibiu a rivalidade entre a Tectoy de Alexandre Pagano, que trouxe Master System e Mega Drive, contra a Gradiente e o Phantom System de Marcos Santos, uma versão pirateada do Nintendinho.
Os depoimentos são permeados pelos rappers Emicida, Fióti e Rashid, que viveram os games e dão clima hip-hop paulistano ao documentário. O próprio Miyazawa e Flávia Gasi analisam a origem dos jogos no Brasil, que eles viveram, e tentam identificar padrões. Israel Mendes, formado em Filosofia e integrante do estúdio brasileiro Aquiris, no Rio Grande do Sul, dá o panorama mais atual da cena.
DNA pirata
“O que eu identifiquei, fazendo o trabalho, é que a nossa origem está nos jogos piratas. Algo que hoje a gente não revisita porque as grandes empresas estão aqui. Mas é o traço de um mercado inicialmente marginal”, disse Falcão, em diferentes momentos, numa entrevista ao podcast Overloadr, dos jornalistas Henrique Sampaio e Heitor De Paola.
O que de fato “Paralelos” traz de novidade e escancara em sua pesquisa em jornalismo de profundidade, embora baseado em depoimentos, é a conexão direta entre pirataria e games no Brasil. Se não existissem os fliperamas falsificados, dificilmente a Taito teria maior interesse pelo mercado nacional. Caso o NES não tivesse sido pirateado, provavelmente a SEGA não teria autorizado que a Tectoy estabelecesse uma competição grande no Brasil, inclusive incentivando um título brasileiro baseado na Turma da Mônica.
A falsificação e o mercado cinza, portanto, são traços formadores do mercado nacional. Pedro Falcão também deixa claro, sobretudo em entrevistas, que é um profissional interessado em compreender se a pirataria de fato é um malefício para o desenvolvimento de um negócio digital, sobretudo considerando a era da internet em que vivemos. E a conclusão que ele chega em “Paralelos”, sem adotar um discurso definitivo, é que os piratas não são 100% ruins.
A pirataria, na verdade, traduz um comportamento brasileiro de adaptação. Mais do que o Saci Pererê ou as obras de Machado de Assis, nossa cultura se explicita nos jogos digitais em nossas próprias gambiarras.
Os consoles e jogos falsificados são uma cultura que hoje permanece numa tradição nacional respeitada: Os mods.
O caso do mapa Rio em Counter-Strike
Counter-Strike: Global Offensive, um jogo de 2012, foi o game mais vendido no Steam brasileiro, de maneira oficial, em 2015. O jogo foi um fenômeno nos anos 2000, como um mod de Half-Life, e estourou como fenômeno nas mãos de Joca Prado e Roger Sodre.
A dupla fez gratuitamente um mapa modificado baseado em favelas do Rio de Janeiro, com direito a bala perdida. O mod repercutiu tanto que gerou cópias falsificadas pagas. E é, de modificação em modificação, que o traço brasileiro se manifesta na indústria brasileira mundial.
Diferente de jogos dos anos 80 e 90, nossa gênese, Counter-Strike já nos jogava na internet.
A crise da nossa identidade
“Paralelos” também passa de leve na questão de personagens que representam a tal da “brasilidade”. O documentário fala sobre a repercussão mista do lutador Blanka, de Street Fighter II, como um dos primeiros brasileiros dentro de um jogo com escala mundial.
A situação não mudou tanto atualmente. Há casos de jogos que passam em cenários brasileiros, como Rainbow Six Siege com policiais do BOPE. Mas o papel permanece secundário frente aos americanos, europeus e asiáticos.
É preciso ver o passado para pensar o futuro do Brasil
Para além dos problemas das sobretaxas em jogos eletrônicos, herança da reserva de mercado que foi instaurada na ditadura militar brasileira para supostamente incentivar a produção interna, nós ainda precisamos avançar no entendimento da nossa história. Neste quesito, “Paralelos” cumpre plenamente seu objetivo.
Ele faz uma necessária volta até a história da Taito para realmente resgatar o nosso âmago. “O Brasil entrou nessa de uma maneira ‘malaca’”, diz Pablo Miyazawa sobre o game da Turma da Mônica, que era um mod.
As questões legais colocam tais falsificações na ilegalidade. Mas, assim como emuladores restauram jogos raros, este espírito pode ser enxergado de maneira positiva.
Da origem na pirataria, podemos buscar uma identidade própria que não menospreza, necessariamente, este espírito de adaptação do brasileiro na cena nacional e internacional.
Pedro Falcão e Hugo Haddad prestaram um grande serviço neste resgate de origens.
Se quiser assistir, acesse o site da Red Bull.
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