Carta aberta da comunidade ao BIG: https://docs.google.com/document/d/1Zw5PDL_XkNch48A9-gnAQdmMGPLwIlNtbaBmuHzqTcU/edit?usp=sharing
A resposta do BIG à carta aberta: http://dropsdejogos.com.br/index.php/noticias/indie/item/4221-big-festival-responde-ponto-a-ponto-a-carta-aberta-de-grupo-de-desenvolvedores-e-convoca-reuniao
Link para o texto desta réplica.
Assine esta réplica: https://goo.gl/forms/YsXi8DOFzi3j46Rv1
Réplica da comunidade
À organização do BIG Festival e a quem mais interessar,
A carta aberta se endereçou ao BIG como interlocutor importante para um diálogo sobre a cena independente brasileira. Desviar a discussão proposta pela carta e focar em “tom combativo e animosidades” reflete uma cultura problemática, que ainda vê relações de trabalho como uma questão de coleguismo e amizade. Esse tipo de atividade pede distanciamento e superar essa personalização das relações de trabalho é essencial para o crescimento da cena.
1 – A questão de representantes e o diálogo aberto
a – É do entendimento dos signatários desta réplica que reuniões presenciais (especialmente em São Paulo) e eleição de representantes no atual momento tende a reforçar problemas de desigualdade de acesso já apontadas na carta anterior.
b – Os signatários desta carta não se sentem representados como coletivo por agências governamentais, encontros mensais locais, associações de empresas ou a IGDA. Na falta de organizações nacionais adequadas, este processo deve transcorrer em público, de forma aberta.
c – A reunião presencial pode ser facilmente pautada com um princípio de “vamos resolver isso aqui e agora”. No caso de um movimento coletivo e aberto como este, esse tipo de negociação não é possível, pois existe um tempo e circulação mínimos necessários para leitura, discussão e escrita coletiva. Esse é um processo mais lento, mas que ganha muito em transparência. Enfim, reiteramos que o debate público através de canais abertos é fundamental para garantir transparência e participação da comunidade de forma ampla.
d – A comunidade desenvolvedora de jogos irá sempre focar em sua própria sobrevivência que se dá por meio de desenvolver jogos. Desta forma, tornar-se única responsável pelo diálogo entre si mesma e o evento não é possível. O evento precisa ele próprio criar os espaços de moderação para a comunidade de expressar
e – Não é papel da comunidade desenvolver o formato exato das medidas a serem tomadas: não somos mão-de-obra voluntária para o evento. As propostas concretas devem ser elaboradas pela organização e sua equipe, reconhecendo e considerando.o que é expresso pela comunidade.
2 – Definição de independente
a – A definição de independente adotada pelo festival em sua resposta é inadequada e “emprestada” do setor do audiovisual.
b – A definição mostra-se não-representativa da comunidade, já que não ajuda a navegar os problemas de desigualdade entre os participantes.
c – A distinção entre “indie” e “independente” é vaga. Se o objetivo do festival, como colocado pelos seus organizadores, é ajudar a indústria como um todo (“O propósito do BIG é atender todo tipo de pessoa e empresa do ecossistema, desde estudantes, profissionais autônomos e prestadores de serviços até desenvolvedores em estúdios pequenos e maiores.” (trecho da resposta do BIG)), então por que ainda usar “independente” no nome? Sem uma definição clara e que seja construída junto com a comunidade, essa escolha fica vazia e utilitária, como forma de ganhar espaço e atenção às custas de um público que não é favorecido pelo festival. A indústria praticamente inteira é independente?
d – “Para o BIG jogo independente é todo o jogo desenvolvido por um grupo, empresa ou profissional independente que detenha maioria dos direitos comerciais relacionados à obra, total responsabilidade editorial da obra e que não esteja vinculada a nenhum grupo de mídia, distribuidores, publicadoras, lojas (virtuais ou não), mantendo todas as decisões relacionadas ao desenvolvimento da obra.” Por exemplo, o trecho acima da resposta dos organizadores é incoerente com a prática de aceitar jogos com contratos com publicadoras e inclusive selecioná-los como finalistas. Esse trecho também está em contradição com o regulamento, que não define essas restrições.
3 – Lista negra
a – A indústria do videogame no Brasil é emergente, organizada fundamentalmente por relações de camaradagem ou "networking" – a falta de instrumentos para absorver críticas da comunidade é um ponto que confirma a falta de um profissionalismo maduro e de tradição institucional no videogame. As acusações de contundência ou “virulência” sobre uma carta de colocações técnicas e conceituais são a demonstração mais óbvia dessa imaturidade. Compreender a imaturidade como uma característica que situa a nossa indústria no tempo e no espaço é vital para superar esse estado.
b – A lista negra é uma prática possível nesse estado de coisas e ela se realiza não necessariamente na forma de uma lista escrita por uma cúpula. Considerando a natureza da organização da indústria nacional, é muito mais realista que a coisa se construa de forma orgânica nas relações de poder que a tecem, estas borradas pelo "networking" – uma noção liberal que ignora as tensões de classe no mundo do trabalho.
c – O meio mais eficaz de combater a prática da lista negra não é negando o risco de sua existência – pois ela é invisível e não possui esse nome em nossa estrutura borrada – mas garantindo instrumentos institucionais para a democratização dos processos decisórios da indústria e a ampliação do alcance das vozes desfavorecidas.
d – Um exemplo de disparidade no alcance das vozes entre o empresariado e a base do independente foi a veiculação da resposta do BIG pela IGN, (assinada apenas por Gustavo Steinberg, embora o texto tenha sido escrito a várias mãos) que até então não tinha noticiado a existência da carta aberta original (já assinada por 250 indivíduos no momento da publicação da nota).
4 – Curadoria
a – A partir da resposta do festival, foram levantadas uma série de questões em relação ao cargo de curador do festival. Consideramos que seja fundamental um posicionamento público da organização em relação às questões apresentadas.
b – Por que Ale Machado é o curador? Dada as informações abaixo, teria alguém com seu perfil a credibilidade e legitimidade que esperaríamos para um cargo de curador em um festival internacional de jogos independentes?
i – http://g1.globo.com/Noticias/Cinema/0,,MUL83997-7086,00-ESTUDIO+BRASILEIRO+FAZ+SUCESSO+CLONANDO+A+DISNEY.html,
ii – https://tvuol.uol.com.br/video/ratatoing-0402CD1A3772D4895326,
iii – http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/video-brinquedo-faz-sucesso-com-desenhos-como-os-carrinhos-e-ratatoing–115145/10877/maximized).
c – Como é o processo de escolha de curador?
d – Quais são os critérios para a escolha de curador?
e – Este cargo é rotativo ou vitalício?
f – A Abragames está exageradamente representada na Line Up de curadores. Foi dada ampla oportunidade de participação da comunidade no processo de seleção de curadores?
g – Apenas um profissional consta como curador da área de áudio, enquanto uma tendência atual como a VR está representada por 5 profissionais. Há uma razão para esse desequilíbrio? Entendemos que a presença de vários curadores é importante para que exista uma variedade de pontos de vista na avaliação, principalmente numa área tão fundamental e complexa como a de áudio.
5 – Seleção e avaliação de jogos participantes
a – De forma geral, a resposta do festival mostra uma falta de rigor com a metodologia de seleção de jogos descrita no regulamento.
b – Um primeiro ponto é que todas as informações sobre o processo de seleção devem estar disponíveis ao público durante o processo de inscrição, com a clareza e profundidade necessárias.
c – Faltam informações sobre os critérios, o processo de escolha e papéis dos membros envolvidos processo avaliativo (Comitês de Seleção, Júris, e como estes estão inclusos na política de conflitos de interesse. Sugestão: Ter os nomes disponíveis dos avaliadores publicamente seria um passo bem importante para a transparência, mesmo que isso seja aberto após o processo de avaliação.
d – A escolha de profissionais alheios ao campo do videogame como avaliadores é sinal de ilegitimidade, desinteresse e falta de consideração com todo o ecossistema, entendendo que é preciso trazer a literatura e o cinema para atribuir seriedade. Não há profissionais do videogame nas funções específicas que possam ocupar esses lugares? Como exemplo, levanta-se a questão da falta de sound designers de jogos como avaliadores (ou talvez um grupo deles) que tenha experiência na indústria de games. Tal formato de avaliação já é feito em outros eventos como Sbgames.
e – Os critérios de avaliação dos jogos são vagos, não está estabelecido aqui quando narrativa seria ou não desconsiderada e a impressão que dá é que essa avaliação é muito informal para o alcance que o festival se propõe ter. É fundamental que exista uma metodologia documentada e divulgada no regulamento para os testes dos jogos, com critérios mais bem definidos, inclusive para exceções e desempates. Sugestões: 1) criar uma lista de perguntas-exemplo sobre “o que é um jogo ideal para o BIG?”. Como está, isso não se define e deixa aberto às interpretações de muitos, o que pode ser o princípio da indignação. 2) Deixar aos criadores a escolha na inscrição se devem ou não ser avaliados em categorias como “Narrativa”, se os mesmos não considerarem relevantes.
f – As diferentes etapas do processo de escolha estão apresentando informações conflitantes e confusas. Sugestão: um diagrama mostrando esse fluxo de forma detalhada, como links para as explicações da composição de cada corpo avaliativo (jurados, comitê de seleção, etc), disponível desde o início do processo de inscrições.
g – Não existe uma separação efetiva entre as etapas como descritas. Por exemplo, o filtro inicial depende da opinião de 1 ou 2 jurados? Essa informação, estando em uma planilha compartilhada, não vai influenciar a avaliação dos próximos jurados?
h – Sugestão: Devido à importância dada a questões de falhas técnicas no processo de seleção, uma lista de requisitos mínimos se faz necessária, inclusive de hardware. Assim, quem enviou jogos pode saber onde e como vai ser testado.
6 – Feedback sobre jogos avaliados
a – Com uma metodologia clara de avaliação, deveria ser gerado um formulário com os pareceres que fosse automaticamente repassado para os devs. Isso já funciona em eventos acadêmicos e festivais de escala parecida com o BIG. Não existe nenhum motivo razoável para não funcionar no BIG.
b – Sugestão: priorizar a inclusão de feedback aos criadores sobre os jogos avaliados na categoria estudante. Entendemos que seria coerente com a ideia de fomentar novos criadores. Novamente, a inspiração é o modelo de avaliação de artigos, por exemplo, que mostra a nota de cada avaliador e a anotação do avaliador anônimo.
c – A menção, na resposta dos organizadores, sobre medidas “para que todos os jogos fossem jogados com as chaves enviadas ao festival, mesmo quando os avaliadores já conheciam os jogos” mostra como a transparência sobre o processo avaliativo pode ser esclarecedora. Essa medida poderia ser incluída no regulamento do festival.
d – Consideramos um importante reconhecimento dos organizadores que reclamações sobre jogos não jogados seriam investigadas e que denúncias possam ser anônimas e protegidas. Pedimos que a organização disponibilize mais detalhes sobre esse processo através do regulamento do festival. Perguntas: Como serão essas investigações? Por quais canais serão divulgados os resultados dessas investigações? Será assistida por algum órgão independente da organização do evento (e que não seja um patrocinador / parceiro / co-realizador?)
7 – Categoria estudantil
a – É importante que os detalhes sobre essa categoria sejam disponibilizados já no processo de inscrição. Isso inclui os critérios que categorizam um jogo de estudantes.
b – É um jogo produzido só por estudantes? Ou que tem estudantes na equipe?
c – É vinculado à alguma instituição? São estudantes de ensino superior ou médio ou ambos? Os cursos têm de ser especificamente de jogos?
d – Serão realizadas adaptações à avaliação dos jogos dessa categoria ou serão os mesmos critérios, processo e avaliadores?
e – Existirão recursos para apoiar a participação de finalistas no festival?
8 – BIG Starter
a – Ao premiar e avaliar projetos de jogos considerando sua “diversidade cultural” e seu potencial de mercado, seria fundamental definir o que é essa diversidade cultural sendo avaliada e como esta influencia a escolha de avaliadores. Ao mesmo tempo em que estamos dispostos a rever o júri para que seja refletida uma maior diversidade cultural, ressaltamos que o BIG Starter é uma premiação com foco principal na formação de novas empresas para que tenham potencial de mercado, visibilidade enquanto indústria (trecho da resposta do BIG).
b – A competição BIG Starter nunca teve como objetivo a celebração apenas do valor artístico (trecho da resposta do BIG). O que é valor artístico? Um título tradicionalmente comercial não possui valor artístico? Esse conceito utilizado possui algum referencial teórico ou estético que possa ser acessado por todos? Conceitos especializados que são fundamentais nos processos de seleção não deveriam estar baseados em senso comum.
c – Há incongruência entre o caráter dos jogos finalistas desta categoria e os critérios de submissão do projeto, de modo que jogos em estágio avançado de desenvolvimento podem ser vistos concorrendo aqui e ao mesmo tempo nas categorias comuns. As diferenças entre esta categoria e as outras devem estar visíveis no resultado do processo seletivo.
d – Não foi questionado o trabalho de Jefferson Valadares ou sua influência na indústria, mas sua representatividade num evento que se coloca como independente. O independente não se sente representado por indivíduos que construíram sua carreira no mainstream.
e – O BIG Starter é uma competição de projetos em desenvolvimento, e a comunidade gostaria de saber de que forma seria a exposição dos selecionados já que os jogos não estão prontos. É uma área para mostra de trailers? Apresentações?
9 – Conflitos de interesse
a – A resposta do festival não esclarece de forma adequada os problemas de conflitos de interesse.
b – “É vedada a participação de funcionários, colaboradores, sócios, acionistas da Empresa Produtora ou das empresas patrocinadoras do Festival, bem como seus respectivos parentes até 2º grau, cônjuges e quaisquer pessoas envolvidas diretamente na execução do Festival.” (regulamento do BIG). A partir desse trecho, não está clara qual é a relação de potenciais conflitos de interesse em relação à membros e diretores de associações como Abragames e órgãos listados como “parcerias” pelo festival. Eles podem ser curadores? Participar dos processos avaliativos? Podem inscrever jogos como indivíduos ou como parte de empresas?
c – O BIG deve estabelecer formas claras e canais anônimos para questionar futuros casos de conflitos de interesse.
10 – Gratuidade e acesso
a – O evento amplo é gratuito mas há áreas separadas para atividades pagas, algumas atingindo a soma de R$ 500,00 (Credencial Business + Acesso a Ferramenta de Matchmaking) ou R$ 1500,00 (Credencial Business + Acesso a Ferramenta + Mesa Fixa).
b -Tais atividades se relacionam de forma ampla com o independente ou apenas aprofundam, acriticamente, o abismo entre a base do independente e o empresariado? É importante que as atividades pagas estejam justificadas tanto em relação à sua relevância para a comunidade como em termos de valores arrecadados e seu uso.
11 – Big Brands
a – O BIG Festival representa e tem a missão de fomentar toda uma indústria, e não apenas celebrar a cultura do desenvolvimento independente (trecho da resposta do BIG). Considerando essa afirmação, novamente questionamos se é honesto chamar o evento de Independent e se termos realmente descritivos não seriam mais adequados, como Industry ou International – como inclusive o evento já foi chamado antes de sua segunda edição, posterior ao lançamento do Indie Game: The Movie e de todo o entusiasmo midiático sobre o indie que o filme produziu. (A título de curiosidade, a empresa Aquiris Game Studio – cujo diretor, Sandro Manfredini, é o atual presidente da Abragames – providenciou uma sessão do filme em 2012).
b – Jogos patrocinados por marcas recebem prêmios em dinheiro nesta categoria? Caso a resposta seja positiva, não seria mais benéfico para a comunidade como um todo que os prêmios em dinheiro fossem destinados a outras categorias que não possuem meios de financiar sua produção? Entendemos que garantir a diversidade é mais importante do que “fomentar o mercado”, se esse fomento se restringir à agudização do abismo social.
12 – Comunicação e Tratamento da Comunidade
a – Existe uma prestação de contas pública do BIG, para que a comunidade possa confirmar o bom uso dos recursos? A alegação de que não há recursos para financiar determinadas demandas pode tanto significar que não existe dinheiro como pode significar simplesmente que certas demandas não são prioritárias. As prioridades devem ser definidas pela comunidade como um todo, e a prestação de contas é um referencial importante para que a comunidade faça as avaliações necessárias.
b – Um “hub internacional de negócios” é aquilo que melhor representa as necessidades do videogame independente como um todo ou é um objetivo criado por grupos e indivíduos que buscam fortalecer seu processo de acúmulo de capital? Quais são os grupos e indivíduos beneficiados por essa política, como foi o processo de construção desse objetivo para o BIG e que recursos são destinados a essa movimentação?
c – A carta busca tornar mais equilibrada e eficaz a comunicação entre o BIG e a comunidade. A carta foi fundamental para o desenvolvimento real do diálogo e foi o resultado de uma insuficiência dos instrumentos de comunicação proporcionados pelo BIG até então.
d – O grupo de Facebook Boteco Gamer exige de todos os que desejam entrar que respondam perguntas. Isso evita a entrada de bots, perfis falsos e perpetradores de discursos de ódio. Não há acesso preferencial para a entrada no grupo, todos são bem-vindos igualmente desde que sigam as regras de entrada. Se algum membro do BIG não conseguiu acessar o Boteco Gamer é porque algo está incompleto na sua tentativa.
Agradecemos a atenção desde já,
Coletivo de desenvolvedores de jogos brasileiros.
Assinam esta réplica:
Game Workers Unite Brasil
André Andrade
Dinart Filho
Enric Llagostera
Leandro Silva
Marcelo Rigon
Pedro Paiva
Rafaella Ryon
Raphael L. Campos
Robson Marques
Sandro Karlo Silva Dutra
Thais Weiller
Tobias Ulrich
Victor Follador
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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.