Os desenvolvedores indies do estúdio paulistano GameArte converteram a obra literária A Nova Califórnia, de Lima Barreto, em um adventure game e pretendem lançar o jogo durante a Flip, Festa Literária Internacional de Paraty 2017.
A obra original, produzida em 1910 pelo famoso autor de O Triste Fim de Policarpo Quaresma e Clara dos Anjos, entre outras publicações, é um apanhado de contos que destaca o comportamento por vezes inusitado e controverso do povo brasileiro. A criação do estúdio faz uso das narrativas dos contos e insere o jogador como personagem que vivencia o universo ficcional do autor, propondo situações que exigem decisões de cunho moral e raciocínio para desvendar a trama do jogo.
Tainá Felix e Jaderson Souza, os profissionais por trás da criação, não escondem o entusiasmo com a produção e estão em contato com a organização do evento literário com a intenção de levar o lançamento do game para a festa de Paraty. Seu objetivo é chamar a atenção do público gamer para as mídias convencionais e desperter nos jovens o prazer pela leitura de clássicos nacionais.
Em entrevista exclusiva ao Drops de Jogos, os produtores destacaram a importância de convergência entre as mídias como forma de ampliar a base cultural no país e a capacidade cognitiva dos jovens. "Tal como outras mídias, os videogames podem fomentar a construção da cultura", explicaram.
Segue abaixo o rápido bate papo.
Drops de Jogos – Como os desenvolvedores tiveram a ideia de criar o jogo sobre a obra literária?
Tainá – Durante uma leitura diária, dessas sem compromisso, curiosamente um conto do início do século XX, nos chamou muita atenção. Era Lima Barreto nos mostrando parte de um Brasil de 1910, cuja ação principal de seus personagens nos pareceu muito semelhante às nossas ações atuais.
Aquela história que, até aquele momento, nós não conhecíamos, mas precisava ser mostrada, ressurgir, e, porque não, ser vivenciada por mais pessoas.
Após algumas pesquisas e ideias, não tínhamos mais dúvidas, o jogo tinha que partir daquela obra.
Jaderson – Gosto de boas histórias, daquelas que te deslocam de seu local cotidiano, do seu mundo ordinário. Sejam nos livros, na cultura oral ou nos games, as histórias nos dão o poder de voar. Quando li pela primeira vez A Nova Califórnia, em meados de 2013, tive pela primeira vez a sensação de que a literatura clássica poderia ser muito divertida e trazer novas perspectivas ao nosso cotidiano ipsis-literis.
Drops de Jogos – O livro é uma obra inflexível, com história imutável e o game, por suas características fundamentais, é totalmente interativo e exige ação a partir de escolhas. Como os desenvolvedores conciliaram estas diferenças sem macular o original?
Tainá – Buscamos transformar a história em jogabilidade, nos gráficos de objetos, indumentárias e linguagem, de maneira a respeitar o enredo do conto. Enriquecendo a partir da natureza do próprio jogo as características da narrativa sarcástica do Lima construíram a interatividade que fica por conta de transformação da narrativa em ação.
Jaderson – Diria que "imutável" e "inflexível" são palavras muito fortes. No meio disso, temos a subjetividade, ou seja, a interpretação de cada um, o que faz toda a diferença. Autoras como Arlete dos Santos desenvolvem um trabalho de pesquisa que defende que somos, na verdade, co-autores de experiências, especialmente nos games. Por isso, o jogo A Nova Califórnia não tem a menor pretensão de substituir a leitura da obra original. Ao mesmo tempo, buscamos como principal método a reconstrução do ponto de vista de uma das personagens originais sob toda a história. #somostodosboticarios
Drops de Jogos – Quais são os pontos de A Nova Califórnia que permitem ao jogador melhor entendimento sobre a obra?
Tainá – Assim como Lima Barreto no conto, buscamos deixar em aberto os possíveis entendimentos que os jogadores terão ao entrarem em contato com o jogo. Contudo, foi de extrema importância para o processo de construção pensar em como o jogador poderia ficar imerso no Rio de Janeiro de 1910, por exemplo, com a construção ponto a ponto dos tipos sociais, tão recorrentes no conto e na literatura barretiana como um todo, buscamos criar ações e situações sobre o povo, seus anseios e cotidiano. Assim, o jogador reconhecerá ao jogar, na linguagem, acontecimentos e nos personagens as críticas sociais da obra A Nova Califórnia.
Jaderson – A história foi transportada para elementos de ação e adventure. No game, muitos de vocês serão confrontados com a moral e até mesmo a ética. Vivenciar o conto trará a perspectiva do gamer sob uma obra literária clássica: sabemos que é um jogo, mas, ao mesmo tempo, subiremos na embarcação (e espero que com tudo!). Da mesma forma que nós sentimos enquanto desenvolvedores, espero que os jogadores e jogadoras compreendam tudo como uma grande experiência.
Drops de Jogos – A Flip desse ano tem como tema Lima Barreto, criador da obra. De que forma o game pode contribuir para que o público possa conhecer melhor autor e obra?
Tainá – O grande objetivo do jogo é trazer luz a um dos autores mais importantes da literatura brasileira numa linguagem focada aos nativos digitais. De forma bastante essencial, o jogo atualiza obra e autor com as características que mais o cercam, fazendo com que a linguagem dos jogos digitais aproxime o novo público para a literatura. Como qualquer processo de adaptação, também traduzimos Lima Barreto em cultura brasileira em pixels.
Nosso grande desejo é lançar o jogo em julho na FLIP 2017, pois além de homenagear Lima Barreto no seu Rio de Janeiro, teremos a oportunidade de formar um inédito encontro multilinguagens entre literatura e videogames.
Jaderson – Sou muito tímido nas palavras e nunca digo isso, mas creio que A Nova Califórnia seja uma das melhores adaptações, de literatura brasileira clássica, para um game. Antes dos mimimis, coloco de antemão minhas grandes dificuldades e limitações no desenvolvimento. Estou longe de atingir um nível que considere bacana, mas estamos aprendendo muito no processo! O método e as intenções, no processo de construção, tenta aproximar linguagens e empoderar a comunidade. Compreendemos que, nos dias de hoje, especialmente, a literatura não deve ser privilégio daqueles que detém os baús de ouro, e sim de toda a comunidade. Trazê-la à uma linguagem atual será um grande convite para que conheçam e vivenciem a literatura de Lima Barreto, a literatura do Brasil, nossa literatura. Esperamos viajar o mundo!
Drops de Jogos – Quem são os responsáveis pela produção e quais as suas áreas de formação e produção no game?
Jaderson Souza é o desenvolvedor do jogo, ocupando as funções de programador, game designer, level designer, artista pixel e "passador" de cafezinhos. Jaderson é Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, Pós graduado em Produção e Programação de games pelo SENAC-SP e graduado em Tecnologia e Processamento de Dados pela FIAP. Atualmente, cursa graduação em Marketing no SENAC-SP.
Tainá Felix é responsável por parte da adaptação do texto para o roteiro das fases, criação das personagens, além de dar pitacos na direção das cenas do jogo. Atualmente, atua como produtora do game.
Tainá é Bacharel em Comunicação das Artes do Corpo com habilitação em teatro, pela PUC-SP e atriz formada no Teatro Escola Macunaíma. Atualmente, cursa uma pós graduação em Gestão Cultural no SENAC-SP.
O jogo foi desenvolvido para a plataforma PC/Windows e tem previsão de lançamento em julho próximo, logo após a Flip, que acontece entre os dias 26 a 30 de julho de 2017.
Informações adicionais sobre os profissionais do estúdio GameArte e o Adventure em produção podem ser conferidas no site do projeto. Os desenvolvedores podem ser contatados por meio do endereço eletrônico do estúdio.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.