É justamente esse processo vimos concluído nesta semana com o lançamento de Pokémon GO, saindo quentinho do forno da Niantic. Desnecessário se estender sobre o tamanho do desbunde. A chegada estrondosa do game trouxe ao público uma aplicação de realidade aumentada que não apenas é competente do ponto de vista experimental, como também faz com que os aspectos mais difíceis desse formato “desapareçam” para quem joga.
Tornou o conceito de RA rapidamente acessível e compreensível para qualquer pessoa com um celular na mão, da mesma forma que o Apple II fez com a computação doméstica. E trouxe mais pokémons para nossas vidas, também, o que é sempre bom.
Não é uma conquista pequena. A adoção maciça do jogo, que já ensaia ultrapassar gigantes como o Tinder e o Twitter em estatísticas de adoção, põe fim a uma luta por disseminação tecnológica que começou em 1986, quando o primeiro experimento de realidade aumentada foi realizado numa parceria entre o Japão e os Estados Unidos. Os objetivos daquele momento eram simples: Tudo o que o cientista Nobuyoshi Terashima queria era misturar a imagem de seus colegas americanos no ambiente físico de seu laboratório. Mais tarde, eles colocariam uma mesa na sala sobre a qual os dois lados do Pacífico poderiam projetar e escrever.
De lá pra cá, poucos foram os experimentos que tiveram sucesso em trazer à tona as potencialidades desse novo formato de informação. Embora a década de 90 tenha surgido muitas aplicações industriais da sobreposição de símbolos em ambientes reais, foi somente com o lançamento do Wii que o conceito de transição entre o mundo real e o virtual foi reaquecido nos corações e mentes dos amantes de tecnologia.
Quem não pegou o controle do Wii na mão e imaginou como seria um jogo com sabres de luz ou raquetes de tênis? Apesar das limitações tecnológicas de 2006, a mesma Nintendo que hoje leva procissões de nerds pelas calçadas provocava outro estouro de manada com a introdução comercial de uma interface cujo único objetivo era enfiar o jogador dentro da TV – em alguns casos, culminando na destruição dela.
Do Wii Remote veio o Kinect. Do Kinect, o PlayStation Move. Logo se falou no Kickstarter de uma proposta de óculos de realidade virtual, o Oculus Rift, que quebrou a banca em sua campanha e estabeleceu novos recordes de arrecadação. Veio o Facebook e comprou a ideia por US$ 2 bilhões. A HTC entrou na corrida. A Sony. A Microsoft. Tantas outras. Nenhuma delas, porém, conseguiu convencer o público de que havia necessidade da transição para um novo meio de comunicação.
Foi preciso a Nintendo chegar para que se repetisse 2006. Curioso pensar que Pokémon GO aconteceu de forma quase acidental, parido de uma brincadeira de 1º de abril em parceria com o Google. Não é à toa a parceria. Não é à toa a brincadeira, que já estava firmemente plantada no nosso imaginário. E não é à toa, também, que tenham sido os jogadores os primeiros a popularizarem a realidade aumentada: se o objetivo de um jogo é trazer o mundo daquele lado cada vez mais perto do nosso, ninguém melhor do que nós para arrancá-lo de dentro da tela. Os games sempre foram o campo máximo de experimentação de interface, e têm o público ideal para popularizar o caráter lúdico e envolvente desse atravessar de fronteiras.
Não exagero em dizer: há um mundo de possibilidades inexploradas diante de nós. De informação, de inclusão, de diversão. Mas o primeiro passo é fazer as pessoas entenderem a realidade aumentada. Chegou a hora de Pokémon GO.
Renato Bazan é pesquisador da área de realidade virtual e aumentada aplicadas ao jornalismo, com artigos científicos publicados dentro e fora do país. Ele é membro do conselho consultivo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e trabalha como editor audiovisual e produtor executivo na Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). Possui experiência no jornalismo de tecnologia e games. Já atuou como chefe de reportagem na Revista Raça Brasil e repórter do TechTudo, da Globo.com.
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