Na noite de ontem (25) os executivos da Warner Brothers confirmaram que irão fechar três dos seus estúdios de jogos: a Monolith Games, a Player First Games e a Warner Bros Games San Diego.
A notícia foi dada em primeira mão na Bloomberg pelo repórter Jason Schreier, e horas depois confirmada pela própria Warner Bros. Além disso, também foi confirmado o cancelamento do jogo da Mulher Maravilha. O game havia sido anunciado em 2021 como o próximo “grande projeto” da Monolith.
A notícia do fechamento dos estúdios foi divulgada aos trabalhadores em um e-mail enviado por JB Perrete, CEO da divisão de games e streaming da Warner Bros. No e-mail obtido pela Polygon, Perrete cita um ano de 2024 decepcionante para os cofres da empresa. A mensagem também confirma que a divisão de Games da Warner vai focar em apenas quatro franquias daqui pra frente: Harry Potter, Mortal Kombat, personagens da DC (principalmente o Batman) e Game of Thrones.
Em comunicado enviado para a Kotaku, a Warner Bros reforça que a decisão de fechar os três estúdios faz parte da reestruturação dos investimentos da empresa. A WB também reforça que espera que essa decisão seja o caminho para voltar a entregar jogos de alta qualidade para os seus consumidores.
Dos três estúdios fechados, a Monolith era o maior e mais conhecido, e que ano passado tinha completado 30 anos de sua fundação. Da história mais recente, ela era conhecida pela franquia Middle Earth, e foi quem desenvolveu tanto Shadow of Mordor quanto Shadow of War. A Player First Games foi quem desenvolveu o multiplayer grátis Multiversus, enquanto a WB San Diego foi fundada em 2019 e trabalhava no seu primeiro projeto, um jogo “AAA grátis para jogar” que ainda não havia sido anunciado.
Traduzindo o corporativês da Warner Bros para o português
Ainda que a Warner Bros use palavras bonitas como “reestruturação de investimentos” e “retomada do rumo para entregar bons jogos aos gamers”, a realidade é que os três estúdios são os mais recentes sacrifícios ao Culto da Linha pra Cima.
E o que é esse Culto à Linha pra Cima? É uma filosofia quase que religiosa seguida pelos grandes executivos de praticamente qualquer empresa de capital aberto, onde a única coisa que importa é que a representação gráfica de crescimento e valor de mercado da empresa seja uma linha crescente infinita.
Claro, essas pessoas são as mesmas que gastam milhões de dólares todos os anos para patrocinar posts no Linkedin sobre como a cultura de uma empresa é a parte mais importante dela. Muitas vezes elas financiam eventos inteiros, com especialistas que palestram por horas sobre como métricas não mensuráveis – como valorização da marca e satisfação dos funcionários – são mais importantes para sucesso a médio e longo prazo do que os indicadores econômicos trimestrais.
Mas não se engane: todo esse papo é pura performance. Porque as ações valem mais do que palavras, e a única ação que a gente vê todos os dias são empresas assumindo o risco de ficarem mal vistas pelo público e criando mal estar entre os funcionários porque a Linha não está indo para cima. Ou até pior: em muitos casos, a Linha sobe mas não no ritmo esperado, e isso é o suficiente pra tacar fogo em tudo e começar do zero.
Tudo bem, a WB vêm de um período de praticamente quatro fracassos seguidos nos lançamentos com Gotham Knights, Suicide Squad: Kill The Justice League, MultiVersus e Harry Potter: Quidditch Champions. Mas com exceção de Quidditch Champions, o fracasso de todos esses jogos pode ser explicado pelo meme do Eric Andre.
Primeiro, que todo o projeto de Gotham Knights já estava fadado ao fracasso desde o anúncio. Quando você tem um estúdio conhecido por fazer jogos incríveis do Batman, a hora que anincia um jogo chamado Gotham Knights você espera que é esse o estúdio que ficará responsável pelo game, certo? Mas não. Ao invés de deixar o projeto nas mãos da Rocksteady, ele foi dado para a WB Montréal.
Na época, o último trabalho em um jogo completo do estúdio tinha sido em Batman: Arkham Origins, lançado em 2012. O jogo não só é considerado como o pior Arkham por público e crítica, como a própria WB “descanonizou” o game. Tanto que ele é o único jogo da franquia que não ganhou um remaster para os consoles mais recentes, e também não aparece em nenhuma das várias “coletâneas Arkham” que a WB lançou ao longo dos anos.
Soma-se a isso o fato de, no anúncio oficial, termos a confirmação de que o jogo não teria o Batman e nenhuma relação com os jogos da série Arkham (mesmo que Arkham Knight desse todos os meios para uma sequência sobre a “Batfamília” e sem o Batman). E tudo ficou ainda pior quando foi mostrado o gameplay do game, que lembrou todo mundo na hora de Marvel’s Avengers: um jogo de ação genérico que claramente foi desenvolvido com o objetivo principal de servir como uma desculpa para vender um monte de microtransações cosméticas para os jogadores.

Ninguém se empolgou com o projeto, com o anúncio, com o marketing e, para surpresa dos executivos da WB, ninguém se interessou em comprar o jogo.
Enquanto isso, a Rockstar trabalhava em um jogo em que o Esquadrão Suicida recebeu a missão de matar a Liga da Justiça. A ideia era promissora e deixou muito gente animada quando foi divulgada. Mas aí a gente ficou sabendo mais sobre o game, e a empolgação virou raiva. Raiva porque a WB havia escolhido que um dos melhores estúdios no mundo na criação de aventuras single player de super-heróis devia focar em um negócio que, mais uma vez, soava muito como uma cópia de Marvel’s Avengers: um jogo que era, ao mesmo tempo, uma experiência single player decepcionante e um jogo multiplayer chato. Tudo isso polvilhado com muitas microtransações, claro.
E, quando finalmente mostraram as primeiras cenas de gameplay, a coisa ficou ainda pior: todos os personagens pareciam ser exatamente igual. Todos tinham uma arma de corpo-a-corpo, algum tipo de metralhadora, uma forma de travessia. O mínimo que a gente espera de um jogo sobre uma equipe de super-heróis é que cada personagem tenha forças e fraquezas próprias, o que obriga eles a atuarem em conjunto. Mas o que a gente viu no vídeo foi uma equipe típica de Fortnite: todo mundo fazendo a mesma coisa, mas com skin diferente.

E aí temos a mesma história: ninguém se empolgou com o anúncio, com o marketing e, para surpresa apenas dos executivos da WB, ninguém se interessou em comprar o jogo.
E esse tipo de decisão se repete mais uma vez com Multiversus. O projeto era promissor: uma espécie de Smash Bros mas com os personagens da WB. Se você falar pra qualquer jogador que ele poderá entrar numa arena e botar pra lutar o Salsicha, o Batman, a Arya Stark e o Pernalonga, não tem como não ficar um mínimo que seja interessado nisso. Mas, mais uma vez, algo com potencial foi levado ao fracasso por decisões executivas.
No caso de Multiversus, o grande inimigo foi a falta de paciência da WB, que resolveu colocar o jogo no mercado quando ele ainda claramente não estava pronto para isso. E aí tirou ele do ar algumas semanas depois, e fez um novo lançamento, e o jogo parecia ainda pior do que na primeira vez.
Existia uma empolgação pelo projeto dos jogadores, mas toda a esperança que eles tinham em um jogo decente foi erodida por dois lançamentos feitos quando o game ainda estava claramente em desenvolvimento. E aí não adianta tentar convencer que o jogo vai ser arrumado com atualizações: a confiança do público na capacidade da empresa de entregar um produto bom já tinha ido pra lixo.

O legado da Monolith para a história do videogame
Fundada em 1994, a Monolith sob o comando da Warner ficou conhecida como o estúdio dos jogos Shadow of Mordor e Shadow of War. Mas a empresa tem uma longa história de clássicos, e foi a criadora de jogos como F.E.A.R. e Blood.
Mas há algo que poderia ser o grande legado da empresa para os videogames, e que não será por culpa exclusiva da WB. Aqui eu falo do Nemesis System, um mecânica criada para Shadow of Mordor e que foi a grande responsável pelo sucesso do game.
Sabe aquela coisa que os “grandões” vendem como um uso da IA em videogames, onde essa tecnologia poderia ser usada para criar histórias personalizadas de acordo com as decisões do jogador? O Nemesis System era meio que uma versão disso, anterior a qualquer papo de IA. E o melhor de tudo: funcionava.
Esses sistema permitia que alguns inimigos do jogo tivessem interações únicas e evoluísse junto com os jogadores. Ele não era apenas um sistema de promoção e demoção (no sentido de um Orc ser promovido ou demovido de posto dependendo do resultado da luta dele com o jogador), mas esses NPCs também aprendiam e se adaptavam.
Eu lembro de um Orc em específico que eu matei umas três vezes do mesmo jeito: de longe, usando o arco e flecha de forma furtiva. Na quarta vez, isso que era uma fraqueza dele se tornou uma força, porque ele aprendeu que eu sempre o atacava desse jeito e criou formas de se proteger contra este tipo de ataque.
Além disso, os inimigos se lembram exatamente da forma que você os derrotou e onde ocorreu o último encontro entre vocês, e fazem comentários usando essas informações na hora que vocês se encontram novamente. Sem contar que as ações dos jogadores não influenciam apenas os confrontos diretos, mas também as disputas internas por poder entre os próprios orcs.

O Nemesis System poderia ser a grande inovação de toda a indústria, e levar a melhorias ainda mais incríveis no funcionamento dele a medida que outras desenvolvedoras fossem usando essa nova ferramenta em seus projetos e incrementando ela. Mas esse futuro não existe por culpa da Warner Bros.
A empresa entrou com um pedido de patente do sistema em 2016, e teve a patente concedida em 2021. O movimento foi algo inusitado na indústria, que patenteia marcas e personagens, mas que não costuma patentear mecânicas. A Nintendo não tem patente sobre a mecânica de pulo, mesmo que ela remeta diretamente aos jogos do Mario. Assim como a Valve não possui patente sobre uma mecânica de portais, ainda que todo jogo que use ela seja automaticamente comparado com Portal.
Mas a Warner Bros conseguiu a patente para o projeto. Isso mesmo: a WB. O sistema foi criado pela Monolith, mas a patente pertence à Warner Bros Entertainment. E, como é válida até 2036, a empresa ainda tem 11 anos para sentar em cima dessa mecânica incrível e não deixar ninguém fazer nada com ela.
E é isso que o mercado de games e as democracias tem em comum: irão morrer sob as mãos de um monte de um culto exclusivo para milionários e bilionários que fazem qualquer coisa para garantir que a Linha esteja sempre subindo. E danem-se as consequências humanas que isso causa.
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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.