Com um currículo que inclui o desenvolvimento de games para a Atari, Mestrado em Física pela Universidade da Califórnia, criação da Game Developers Conference, o maior encontro anual de desenvolvedores de jogos do mundo, e a idealização do sistema Storytron para o design de games mais imersivos, Chris Crawford figura entre os mais ativos profissionais da área, ainda que não atue diretamente no mercado formal de games desde 1992.
O produtor é também um pensador da linguagem dos games como forma de Cultura e Arte, tendo estabelecido as bases desse pensamento em textos e palestras fundamentais, a exemplo de sua famosa palestra conhecida como The Dragon Speach (https://www.youtube.com/watch?v=_04PLBdhqZ4), na qual declara que perseguirá seu sonho insano pelo aprimoramento da linguagem.
Em 1982, Crawford ganhou notoriedade pela publicação de The Art of Computer Game Design (https://ia802207.us.archive.org/31/items/artofcomputergam00chri/artofcomputergam00chri.pdf), obra que estabeleceria os fundamentos do GD para novos desenvolvedores. Abaixo, seguem algumas das ideias do autor sobre estes princípios, ainda hoje válidos e necessários para a criação de projetos instigantes. Se você se interessa pelo tema, vale conhecer mais sobre a obra desse grande pesquisador.
Resumidamente, sua obra pode ser apresentada com os seguintes tópicos no que se refere aos procedimentos que compõem o desenvolvimento de jogos:
Escolha do Objetivo e do Tópico
Os jogos devem ter um objetivo claro e este objetivo deve se expressar em termos do efeito produzido sobre o jogador.
“Escolha um objetivo em que você acredita, que expresse seu senso de estética e sua visão de mundo… escolher um objetivo que satisfaça o público, mas que não é de seu agrado, certamente produzirá um jogo anêmico”, escreve o autor na página 50 de seu livro.
Os tópicos, que podemos traduzir aqui de forma mais livre e elucidativa como ‘temas’, podem ser diversos como, por exemplo, combate no espaço, presente no jogo Star Raider ou a guerra entre a Rússia e a Alemanha, vista em Eastern Front 1941, conforme demonstra Crawford, entre outros exemplos que facilmente nos viriam à memória.
Pesquisa e preparação
Uma vez definidos o objetivo e o tópico, deve-se aprofundar o conhecimento em tudo que diz respeito ao tema escolhido. Crawford cita que encontrou pouca informação útil em livros de história para o desenvolvimento de seu game Excalibur, mas foi muito bem sucedido ao pesquisar as lendas de Rei Artur.
Fase de Design
O autor inicia suas produções pela elaboração dos recursos de entrada e saída (Input/Output Structure, no original), que ele define como a linguagem de comunicação entre o computador e o jogador. A saída de jogo se dá por meio dos gráficos e do som. A entrada se realiza pelo contato “táctil” do jogador com o jogo. Esta interação é de suma importância para o jogador e pode ser conseguida pelo oferecimento de um grande número de opções significativas, sem que isto se transforme em uma tediosa estrutura de entrada de dados. Subsequentemente, sugere-se a criação da estrutura do jogo (Game Structure) que resume-se em: como transformar o objetivo e o tópico em um sistema funcional. A estrutura de programa é a etapa responsável por transformar a estrutura de entrada e saída e a estrutura de jogo em um produto real. Na etapa de avaliação do design, deve-se analisar a estabilidade da estrutura de jogo.
Fase de Pré-Programação
Ao transcrever toda a criação do jogo para o papel, é importante enfatizar a experiência do jogador, mais do que as considerações de ordem técnica.
Programação
O autor cita esta fase como sendo a tediosa etapa de programar e retirar ‘bugs’ do código.
Playtest e Post-Morten
Após receber as sugestões e críticas do playtesters, deve-se lapidar os últimos detalhes e lançar o produto final.
Outros autores observam o processo de game design de formas mais ou menos similares e o próprio Crawford se utiliza cotidianamente desta metodologia na elaboração de seus trabalhos. Surpreendentemente, em uma entrevista concedida em 1997, Crawford afirma que o game design manteve-se estanque em sua essência ao longo destes anos, sem apropriar-se do vasto histórico de erros e acertos de suas produções e das expectativas do mercado para implementar mudanças profundas e renovadoras em seus lançamentos. Em suas palavras “…a indústria [de games] está muito maior e mais bem fundamentada do que nos primórdios dos anos 80… Eu acreditava que, por esta época, já estaríamos vendo uma grande profusão de softwares de entretenimento, voltados a uma ampla gama de interesses. Isto não aconteceu; os jogos de computador permanecem completamente inalterados em termos de apelo básico. São precisamente o mesmo ‘fogo-neles’ de ação rápida ou jogos de estratégia para nerds que eram lançados 15 anos atrás”.
Estes tópicos são apenas um parâmetro inicial de suas ideias, que lançam luz sobre outros temas igualmente importantes para o design de games, como a questão da narrativa, progressão, imersão, interação, a diferença entre games e brinquedos e compromisso do mercado em oferecer mais do que apenas entretenimento ao jogador. Sua obra continua atual e, se você tiver a oportunidade, vale a pena conhecer mais a fundo suas ideias, que podem contribuir na produção de jogos, com mais foco e qualidade de elaborações.
Por fim e não menos importante, vale citar o pensamento do autor em um dos trechos mais brilhantes e divertidos de sua participação na GDC de 1992, em que utiliza a metáfora do Dragão contra o voraz mercado de games ao qual se insurgia naquele momento:
“[Don Quixote] queria viver em um mundo onde havia verdade, dignidade humana e, sim, amor. … Em vez de desistir, ele impôs a sua realidade para o mundo real […] Onde as pessoas viam um moinho de vento, ele via um dragão […] Eu me comprometi comigo mesmo à busca do dragão. Eu posso vê-lo! Lá está ele, bem à minha frente, claro como o dia. … Você é muito maior do que eu imaginava, e eu não tenho tanta certeza de que eu gosto disso. Quero dizer, sim, você é glorioso e belo, mas você é feio também. Seu hálito cheira a morte! … Sim, sim, você me assusta! Você me magoou! Eu senti suas garras rasgando a minha alma! Mas eu vou morrer um dia, e antes de fazer isso, eu tenho que enfrentá-lo, olho no olho. Eu tenho que te olhar diretamente nos olhos, e ver o que tem dentro, mas eu não sou bom o suficiente para fazer isso ainda. Eu não sou experiente o suficiente, então eu vou ter que começar a aprender. Hoje. Aqui. Agora. Venha, dragão, vou lutar com você. Sancho Pança, a minha espada! (Ele pega uma espada da mesa atrás dele e a retira da bainha.) Pela verdade! Pela beleza! Pela arte! CARGAAAAAA!!!” (Crawford dispara pelo salão da convenção para nunca mais voltar ao mercado! – assista, abaixo).
O pesquisador esteve de volta para uma concorridíssima palestra na GDC de 2011 (https://www.gamedeveloper.com/console/gdc-2011-cgdc-founder-chris-crawford-ask-yourself-what-does-the-user-do-).
[Este artigo foi criado a partir da reprodução parcial da monografia Vídeo Game Design: Uma análise da estética conceitual do entretenimento digital.]Atualização: Esse texto foi produzido para o extinto site Play’n’Biz, em janeiro de 2015, apenas dois meses antes do início do Drops de Jogos, que já estava em desenvolvimento à época. O P’n’B era mais conceitual e menos mercadológico em sua abordagem e o espaço permitia reflexões mais técnicas, a exemplo desse artigo. Hoje, o Drops de Jogos segue linha editorial que também oferece a oportunidade para resgatar tais avaliações.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.