por Rafael Silva*
Na noite de ontem, 12 de dezembro, aconteceu o The Game Awards 2024, o mais importante prêmio da indústria dos videogames (para quem acredita na propaganda do evento). Ok, quem é desenvolvedor e está por dentro deste mercado sabe que este não é o mais o prêmio mais prestigiado, mas é aquele que conquistou o coração do público. Como o próprio TGA se vendeu nos últimos 10 anos, este é “o Oscar” dos games.
Só que, ao contrário do Oscar, no TGA as premiações em si são o que menos importa — o evento é basicamente uma enorme propaganda da indústria, e se preocupa mais em anunciar World Premieres (jogos que estão sendo revelados ao público pela primeira vez) do que em realmente celebrar as pessoas que fazem parte dessa indústria.
Mas aqui não importam os motivos de existência: se o mercado de ações (e o de casas de apostas, duas coisas que parecem muito distintas mas são basicamente a mesma coisa) nos ensinou algo é que tudo tem um vencedor e um perdedor — alguém que se valoriza e alguém que perde valor. Por isso, listamos aqui quem saiu por cima e quem ficou por baixo após a edição de 2024 do The Game Awards.
Vencedor: PlayStation/Sony
Finalizando a noite com 6 troféus — incluindo o maior da noite, dado ao jogo do ano —, a Sony foi o estúdio que finalizou o TGA com o maior número de troféus conquistados. Foram 6 ao todo, sendo 4 com Astro Bot (Jogo para a Família, Jogo de Ação/Aventura, Direção e Jogo do Ano) e 2 para Hell Divers 2 (Jogo em Atualização e Multiplayer). Mas não é apenas a quantidade de estatuetas que a Sony (ou, tecnicamente, os estúdios que estão sob o guarda-chuva da Sony) leva pra casa o que a torna a grande vencedora da noite, mas a imagem que ela novamente consegue colocar na cabeça do público.
Além do anúncio de Intergalactic, o novo título da Naughty Dog que será exclusivo do PS5 e que tem uma vibe total Guardiões da Galáxia, também fomos surpreendidos pelo retorno das franquias Onimusha e Okami. Esses dois jogos muito provavelmente não serão exclusivos do PlayStation, mas acabam contando como “ponto moral” pra Sony por serem dois jogos que ficaram marcados na história do PlayStation 2 e pareciam abandonadas pela Capcom desde então.
Ao fim do evento, a mensagem que ficou na mente das pessoas é a de uma Sony (e um console PlayStation) forte não apenas no presente, mas que também tem um futuro brilhante para oferecer aos seus jogadores.
Perdedor: Xbox/Microsoft
Na contramão da Sony, os estúdios do Xbox terminaram o TGA com apenas 2 troféus (ambos ganhos por HellBlade 2). Só que, assim como com a Sony, não são as estatuetas que explicam a falta de protagonismo da marca, mas a mensagem que ela tentou levar para o evento.
Tudo bem que a maioria dos jogos anunciados no evento serão lançados também para o Xbox (e provavelmente muitos serão ofertados no Game Pass), mas a presença da marca no evento meio que se resumiu a trazer Harrison Ford para o palco numa tentativa de lembrar a todos que o novo jogo do Indiana Jones já está disponível, e de a cada 20 minutos vincular uma propaganda afirmando que praticamente qualquer aparelho eletrônico com acesso à internet pode ser um Xbox se você tiver uma conta Game Pass.
Ao contrário da Sony, que sai do evento demonstrando confiança e vendendo esperança, a estratégia da Xbox soa como uma empresa que está, mais uma vez, tentando arrumar o carro com ele andando, mudando novamente o argumento base de venda. E o mais intrigante é que essa mudança é para um argumento que desdenha do seu próprio console — se tudo pode ser um Xbox, para que comprar um Xbox então? Tudo fica ainda pior quando lembramos que nenhum dos anúncios da noite trouxe de lambuja o selo “Day One no Game Pass”, que tem sido a grande marca do Xbox em todo evento de games nos últimos anos.
A marca pode ter tentado vender a ideia de que está na vanguarda de um futuro onde consoles tradicionais serão coisas do passado, mas no momento a imagem que ela passa é a de uma empresa que não confia no próprio produto — e não sabe para qual direção vai.
Vencedor: Balatro
Terminando a noite com 3 estatuetas (Melhor Jogo Mobile, Melhor Jogo Independente e Melhor Jogo de Estréia de um Estúdio Independente) além de nomeações para Melhor Direção e Melhor Jogo do Ano, Balatro superou todas as expectativas de quem achava que ele era apenas um jogo de poker turbinado com umas regras estranhas.
Isso não significa que ele não é um jogo de poker turbinado com umas regras estranhas. Ele é, pra deixar bem claro. Mas também é bem mais do que isso.
Com esse sucesso absoluto já no seu primeiro jogo, a LocalThunk tem tudo para ser a nova queridinha da cena e ser a inspiração para um exército de novas versões de jogos de cartas tradicionais altamente gamificados com regras de jogos modernos (assim como aconteceu ano retrasado com o Vampire Survivors de Luca Galante).
E, se algum dev estiver lendo isso, por favor, façam um clone de Balatro usando truco de base — nunca te pedi nada.
Perdedor: a voz do povo
Todo ano é a mesma coisa: quando saem os jogos nomeados do TGA, as redes sociais são inundadas de jogadores dizendo “jogo X não está concorrendo, isso é um roubo!” ou “como não tem tal jogo aqui??? Absurdo! Esses jornalistas não jogam nada!!!!” e outras asneiras do tipo. Então, pela primeira vez o evento criou uma categoria de “Voz dos Jogadores”, onde todos os nomeados, além do vencedor, seriam escolhidos pelo voto dos jogadores comuns.
E o que aconteceu? Numa lista de 5 indicados, tivemos 2 jogos gacha com visual de anime da mesma empresa (Genshin Impact e Zenless Zone Zero) e um jogo gacha com visual de anime que é um clone desses dois jogos anteriores, só que feito por outra empresa — a Wuthering Waves.
E assim ficou claro por que a nomeação dos prêmios de verdade não fica na mão dos jogadores.
Perdedor: Zeenix
Toda vez que a passava uma propaganda sobre o Steam Deck entre um anúncio e outro, era impossível não lembrar do Zeenix, o console white label da TecToy que chega ao mercado custando quase o mesmo preço do Steam Deck (e com uma fração do poder de processamento, diga-se de passagem). Cá entre nós, essa parece ser uma estratégia tão inteligente quanto deixar que o CEO de sua empresa fale abertamente mal da China nas redes sociais enquanto a empresa está no processo de importar de lá os consoles que quer lançar aqui no Brasil.
Até quando a TecToy nem aparece em um evento ela acaba saindo perdendo. Ssso é que é constância!
Vencedor: a indústria do hype e os marqueteiros
Com um pico de mais de 1 milhão de pessoas assistindo (e isso apenas na transmissão oficial pelo YouTube), o TGA prova que a máquina de hype da indústria dos games continua a todo o vapor — e não dá sinal de desacelerar.
Sejamos francos: ninguém desse mais de 1 milhão de pessoas estava assistindo porque não conseguiria dormir sem saber qual seria o Jogo do Ano. As pessoas ficaram acordadas até tarde (aqui no Brasil até mais de 1 da matina) só para ver as surpresas e grandes anúncios de jogos que aconteceriam no evento. Assim como (era) a E3 no meio do ano, o TGA se tornou um grande evento de marketing voltado para te vender hype em jogos que ainda vão demorar anos para serem lançados, e tentar te convencer a continuar investindo na compra de jogos em pré-venda, porque esse é o tipo de transação onde todas as vantagens ficam apenas com a empresa que está vendendo o jogo — e com mais ninguém.
O TGA marca o fim de ciclo de mais um ano na “máquina de hype gamer”. E, mesmo quando o mundo parece desmoronar aos poucos, esse trem supersônico segue sem freio atropelando tudo pela frente. Videogames, baby!
*Rafael Silva é jornalista desde 2017. Cresceu lendo revistinhas de videogame, entrou numa noia quando percebeu que o “jornagames” ainda era feito para adolescentes que só tinham interesse de discutir qual console era melhor, e agora está numa missão de vingança para resolver isso com as próprias mãos.
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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.