Editorial

Editorial: 2022, o ano do Lula Play

Por Pedro Zambarda, editor-chefe do Drops de Jogos.

Um grupo de 30 trabalhadores do setor de videogames, entre desenvolvedores, advogados, professores e empreendedores, entregou ao presidente agora eleito Luiz Inácio Lula da Silva no dia 17 de agosto de 2022 uma cartilha de 32 páginas com ideais para discutir a área de jogos eletrônicos. O documento é inicial e nunca pretendeu ser o objetivo final desse grupo.

A redação do documento foi possível graças a um convite do Instituto Lula em maio deste ano. A entidade questionou o que o então candidato a presidente poderia colaborar em políticas públicas, incentivo e implementação para o setor.

Foi um trabalho de conversa de escuta por parte do instituto. E foi sugerido ao grupo a criação dessa cartilha – com a possibilidade do encontro e da entrega para Lula.

A feitura de um documento por parte de 30 profissionais não foi fácil e não foi também um consenso geral. Foram algumas noites viradas no Google Docs, reuniões remotas, discussões de como deveria se organizar um arquivo desse tipo e, por fim, qual diretriz deveria ter para conter propostas para um plano de governo. Para quem não sabe: planos desse tipo são genéricos, utilizados em propaganda política e cabem à sociedade cobrar do seu candidato eleito.

Em cima dessa cobrança, criou-se o comitê Lula Play, com esses mesmos profissionais. Para a continuidade do trabalho e para o contato com governo federal e outras instâncias da política brasileira.

O texto se organizou em cinco eixos: Formação e Emprego; Inclusão e Diversidade; Educação; Soberania Digital; a própria Indústria.

A organização dos eixos faz sentido com o programa de governo do então candidato, que recebeu colaboração da população, e com a ideia de um governo preocupado com os trabalhadores. Dessa forma, o documento é inovador por não pensar somente do ponto de vista das empresas, mas também do proletário do setor. A partir de uma proposta de melhoria da empregabilidade, a cartilha se amplia para a lógica de inclusão e diversidade, além da educação necessária, terminando por discutir as capacidades técnicas de nossa Soberania Digital e do setor produtivo.

A outra inovação do documento é para quem ele foi destinado. Graças ao Instituto Lula, pela primeira vez profissionais dos videogames entregaram uma cartilha diretamente a um presidente da República. A discussão, anteriormente, se restringia a ministros, governadores de estado, prefeituras e instituições públicas.

Isso nunca tinha sido feito antes.

As críticas

De cara, parte do setor dos jogos fez críticas pelo Twitter aos profissionais que fizeram parte da iniciativa Lula Play pelo segredo em torno do grupo e da entrega do documento ao presidente. A crítica é justa pela necessidade de transparência de informações que envolvem medidas que podem impactar o dia a dia do trabalhador.

Por parte do comitê, a ideia seria chamar ainda mais pessoas para integrarem a iniciativa e ter o diálogo mais representativo possível. A realidade é que organizar um documento entre 30 pessoas já se provou um desafio. Por isso, após a entrega para Lula, o comitê pressionou a campanha do então candidato a liberar a carta para assinaturas e recebimento de críticas.

Isso você pode fazer hoje por aqui.

Outras duas críticas pontuais foram a falta, no texto, da revisão das isenções fiscais para exportação e acesso de créditos com juros baixos com bancos nacionais de desenvolvimento. Os dois pontos poderiam ser pensados em propostas no Poder Legislativo ou diretamente com uma das pastas do futuro governo. Também foi criticado a ideia de se incentivar o fomento de lojas de venda de jogos no Brasil e do ensino de eSports nas escolas. Talvez a primeira proposta não faça sentido levando-se em consideração o tamanho do Steam hoje, mas é um ponto que também pode ser defendido na carta. E a segunda crítica parece carecer de sentido se for levado em consideração o que é feito no meio esportivo como política pública.

Uma crítica correta foi a respeito da falta de aprofundamento sobre incentivos para Pessoas Com Deficiência (PcD) e a falta de diálogo com entidades desse setor. Há um ponto na cartilha sobre esse assunto e essas instituições foram contatadas. No entanto, o comitê entende que a participação em período eleitoral poderia colocar as entidades em risco. E se espera que o grupo tenha um diálogo maior com o fim do governo de Jair Bolsonaro.

As críticas por parte da comunidade foram lidas pelos signatários da carta, que são 13 pessoas, e pelos demais envolvidos. Se as críticas não forem incorporadas diretamente na cartilha, a ideia é que suas discussões sejam levadas pelo comitê para parlamentares e quem possa contribuir para a implementação de políticas públicas.

Houve também ataques menores e esdrúxulos ao grupo, insinuando que os profissionais “queriam tirar uma foto com Lula para ganhar likes” em redes sociais. Ou que o grupo advoga pelo aumento de impostos no setor, o que é contraditório com a situação dos trabalhadores, dos empresários e do mercado como um todo – descrito na própria cartilha.

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Lula, o comitê e a cartilha LulaPlay. Foto: Ricardo Stuckert/Instagram

Os riscos de ser signatário da cartilha

Levando-se em conta as críticas que foram realizadas ao grupo que entregou a cartilha, internamente foi travado um debate intenso sobre os riscos políticos de se ter a imagem atrelada ao presidente Lula e ao Partido dos Trabalhadores. Por essa razão, o comitê Lula Play respeitou, desde o primeiro dia, o sigilo de muitos dos integrantes que contribuíram para as ações do grupo e que não podem ter a sua participação publicizada.

Por outro lado, o grupo também chegou a um consenso de que alguns deveriam tornar a sua participação pública para efetivamente organizar as ações no setor – arcando com o ônus dessa atuação.

Qual é a situação do Lula Play hoje?

Após a entrega para Lula, o grupo se reuniu com integrantes do plano de governo durante a campanha, com o então candidato a deputado Guilherme Boulos (PSOL) e estabeleceu diálogos com partidos da base de apoio do presidente eleito, como a Rede de Sustentabilidade e o PSB, do vice Geraldo Alckmin.

O grupo agora está realizando diálogos com integrantes do gabinete de transição. A ideia é que a iniciativa não se encerre em uma fotografia postada no Instagram e que realmente se estabeleçam avanços no setor, especialmente se levando em conta a situação econômica e política do país.

E o que foi dito na imprensa?

Quando a cartilha ainda não era pública, os signatários da carta deram entrevistas e falaram abertamente sobre a ideia do documento para manter transparência com o público. O jornalista Henrique Sampaio, do site Overloadr, fez uma fala necessária ao Jornal Opção de que o Marco Civil da Internet foi uma das referências na formulação do Lula Play.

A empresária Érika Caramello, juntamente com o advogado Erick Santos, acertaram na entrevista ao site Poder360 ao afirmar que os envolvidos na composição do comitê e os assinantes da carta não são “necessariamente” pessoas “pró-Lula” do mercado de jogos. A ideia foi a criação de um documento profissional sobre o setor.

Por fim, Lula concedeu uma entrevista no segundo turno das eleições de 2022 ao podcast Flow, assistido simultaneamente por mais de um milhão de pessoas. A fala do presidente eleito sobre Lula Play foi uma resposta aos pedidos do comitê, que popularizou ainda mais a iniciativa.

Fake news e desinformação

No momento que Lula falou sobre Lula Play no Flow Podcast, alguns influenciadores de Tecnologia da Informação (TI) distorceram sua fala, afirmando que ele queria “regularizar a profissão de desenvolvedor” sem fazer uma leitura atenta da cartilha, que incentiva a profissionalização maior do trabalhador de jogos e não obriga o diploma na área para empregá-los.

Com a eleição de Lula por 60 milhões de votos para um terceiro mandato, o jornal Estado de S.Paulo, através da Coluna do Estadão, afirmou que o presidente eleito pretende elevar os impostos dos games sem citar fontes do gabinete de transição ou mesmo do comitê Lula Play, cujo documento propõe o contrário.

E a posição do Drops de Jogos?

Falta um mês para o fechamento do ano, mas é importante que a gente se posicione. O site Drops de Jogos é um veículo de jornalismo e de informação dentro do setor de games. Seu propósito não é ser um espaço propriamente para discussão ou para promoção de política, mas sim de debater o tema quando ele possui conexão com os jogos eletrônicos.

Seus editores, Kao Tokio e este que vos escreve, optaram voluntariamente por participar do comitê Lula Play e por assinar a carta. Optaram assim porque acreditam no texto que foi entregue para Lula, porque acreditam nas pessoas que foram convidadas e ouvidas e porque querem fazer parte de uma iniciativa que melhore as condições do trabalhador e do consumidor de jogos no Brasil.

Uma iniciativa que se inicia com uma carta, mas que pode se desenvolver em políticas e incentivos para todo um mercado.

O envolvimento da mídia com iniciativas políticas e públicas não é novo e pode ser saudável. Julio de Mesquita Filho, da família proprietária do Estadão, contribuiu diretamente para que acadêmicos de fora do Brasil ajudassem a criar a Universidade de São Paulo (USP) em 1934. A campanha por Diretas Já, anunciando o fim da ditadura militar em 1984, foi apoiada de maneira explícita pela Folha de S.Paulo, que se consolidou naqueles anos como o maior jornal do Brasil.

O Drops de Jogos acredita que o apartidarismo é necessário para uma boa imprensa, mas que o site não deve omitir as convicções políticas de seus editores – em nome de uma transparência para o seu público.

Transparência: O Drops de Jogos assinou e ajudou a elaborar a cartilha Lula Play. Você pode saber mais detalhes aqui.

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Pedro Zambarda

É jornalista, escritor e comunicador. Formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e em Filosofia pela FFLCH-USP. É editor-chefe do Drops de Jogos e editor do projeto Geração Gamer. Escreve sobre games, tecnologia, política, negócios, economia e sociedade. Email: dropsdejogos@gmail.com ou pedrozambarda@gmail.com.

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