Opinião - Sobre editais e autoria de jogos brasileiros. Por Pedro Zambarda - Drops de Jogos

Opinião – Sobre editais e autoria de jogos brasileiros. Por Pedro Zambarda

Sobre o caso da SP Pro Game Jam

SP Pro Game Jam. Foto: Divulgação

Por Pedro Zambarda, editor-chefe do Drops de Jogos

No dia 9 de dezembro de 2020, o Drops de Jogos recebeu pela manhã a seguinte notícia: “Jam em SP oferece mentoria, prêmios e lançamento de game no Switch“. A informação, dada com cuidado por nosso editor de conteúdo, Kao Tokio, trouxe uma boa novidade para o mercado nacional.

Será uma maratona de desenvolvimento de jogos realizada de forma online com foco a formação de novos profissionais para a indústria de jogos. Os vencedores receberão convite de trabalho por um período de até seis meses na Flux Games para finalizar o game e lançá-lo no Nintendo Switch.

A iniciativa promete uma premiação de R$ 30 mil dividida em quatro bolsas de R$ 7,5 mil. O evento é realizado com apoio do governo Doria e recursos públicos do PROAC, além da participação do estúdio Flux Games.

Demos a notícia. O caso parecia encerrado.

Só que os desenvolvedores, muito mais atentos do que os jornalistas, não caíram no oba-oba do edital com dinheiro público para o setor e leram o regulamento.

Lá constava a seguinte descrição:

“O jogo vencedor do Bootcamp terá seus direitos passados para a Flux Games, que vai trabalhar com o grupo para desenvolver até o final e comercializá-lo no Switch. Os demais jogos seguem sendo de posse de seus autores, mas podem ser comprados ao final da Jam pela Flux a seu critério para futura exploração por um valor pré-estipulado de R$1000,00. Veja mais detalhes no regulamento!”

Mil reais para um desenvolvedor que fez seu game e os direitos autorais repassados para a Flux.

Está correto isso?

Imediatamente desenvolvedores subiram a hashtag #JogoEhDeQuemFaz no Twitter, fazendo reclamações dignas ao estúdio que desenvolveu a gamejam com o edital público. Essencialmente as críticas batiam em um único ponto: A Flux estava empregando as mesmas táticas predatórias que vemos em mercados internacionais. Contratos sigilosos garantem que pequenos estúdios forneçam vultuosos lucros para grande publishers, como Sony e Electronic Arts. Vale a pena imitar essas mesmas práticas em um edital de R$ 30 mil?

Num edital que “combate o crunch“?

Assim como demos a primeira nota positiva, pautei Kao Tokio para cobrir criticamente estes pontos, o que gerou um segundo texto.

A Flux demorou um dia para recuar na proposta do jogo desenvolvido em suas dependências. Agora a maratona de desenvolvimento prevê 50% do lucro líquido à empresa vencedora do evento, que permanece como detentora dos direitos de sua criação.

Muitos elogiaram a rapidez da empresa. E a Flux provavelmente não ficará feliz ao ler este meu texto.

Mas digo: Não, não foram rápidos não.

A ideia estava errada de antemão.

A proposta da gamejam é completamente descabida com casos recentes de crunch na CD Projekt Red, Rockstar e outras empresas detentoras de grandes títulos. Não faz sentido para um desenvolvedor, ainda que estudante, entregar os direitos de sua obra para um estúdio de São Paulo com relativo sucesso.

Mas que acaba aparecendo mais do que o próprio autor do jogo.

Qual o sentido de “combater o crunch” se você ganha os direitos autorais do desenvolvedor que ainda está se profissionalizando?

R$ 1 mil não soluciona o problema.

Crunch e abusos no âmbito de trabalho não envolve somente grandes cargas de horas trabalhadas, mas também o não reconhecimento dos desenvolvedores. Numa indústria que valoriza tremendamente um nome como Hideo Kojima, mas esconde a maioria dos nomes de desenvolvedores da franquia Metal Gear, o abuso se consolida nessa forma de invisibilidade – que muitas vezes envolve a própria imprensa e seu noticiário desigual.

A crítica deste artigo não se restringe à Flux e nem pretende criar um mal-estar para o estúdio.

A ideia deles na SP Pro Game Jam poderia ter sido incorporado por qualquer outra empresa que pensa que tem um papel similar ao do Google ou da Sony como publisher de um desenvolvedor de jogos. Só que essa prática só reforça a exploração do trabalhador, usando mão-de-obra que ainda está se profissionalizando para aumentar o seu catálogo de propriedades intelectuais.

Se queremos um mercado mais saudável de desenvolvimento, devemos ter um cuidado especial os trabalhadores que criam os jogos que consumimos e gostamos.

O abuso do trabalhador gera, na ponta, um produto mal acabado e um mercado tóxico.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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